sábado, 8 de junho de 2013

Carta de Princípios da PERIFERIA ATIVA


Frente de Comunidades em Luta

   
  Nós, moradores e representantes de dezenas de comunidades espalhadas pela periferia metropolitana de São Paulo, tomamos a iniciativa de fortalecer os laços que unificam nossas dificuldades e nossos sonhos. Vivemos todos a dura realidade da periferia e temos em comum o desejo de transformá-la, de construir uma vida melhor.
     Estamos cansados do descaso do poder que se diz público, mas atende apenas os interesses privados de uma elite. Nossos ouvidos não suportam mais as promessas daqueles que, nas eleições, aparecem com o pé no barro e oferecendo agrados, mas que depois somem na comodidade de seus gabinetes. Nada de respostas. Nada de soluções.
  Compreendemos que só é possível contar com nossas próprias forças. Só a união e a luta das comunidades trarão alternativas para os problemas que enfrentamos. Não é com favor, mas com organização. Não é com voto, mas com mobilização.
    Por isso e para isso resolvemos construir a Periferia Ativa, uma iniciativa ainda muito nova, mas que já surge com o firme compromisso com os seguintes PRINCÍPIOS:

1)      DIREITO À VIDA: Somos, como trabalhadores e moradores da periferia, os maiores prejudicados por um sistema que coloca o dinheiro acima da vida. No capitalismo, o ganho de uma elite é a razão da miséria que afeta as periferias de todo o mundo. O direito deles de lucrar atropela nosso direito de viver. Assim é, quando em favor do interesse de empresas de saúde, somos obrigados a viver cenas de terror nos hospitais públicos, com filas sem fim, falta de médicos, de remédios e de respeito. Quando, pela falta de investimento em educação, não há vaga nas creches para nossos filhos, falta até merenda nas escolas e os professores são desvalorizados com um salário de fome. Quando, pelo lucro milionário das empreiteiras e donos de terra, somos forçados a viver em buracos, sem nenhuma estrutura, passar pelas humilhações de quem mora de favor ou pagar o que não temos num aluguel abusivo. Enfim, nossos direitos são tratados como uma mercadoria: Só tem quem pode pagar por eles. O sistema nos mata um pouco por dia. Isso quando não mata nossos filhos de uma só vez, nos momentos em que a polícia e seus grupos de extermínio entram em ação e tratam os jovens da periferia como gado a ser abatido.


2)      CONTRA OS MUROS DA VERGONHA: Nossas cidades estão cheias de muros invisíveis, que fazem com que, dentro de uma mesma cidade, existam duas realidades diferentes. A aparência, os serviços, o asfalto, até mesmo as leis – tudo é diferente entre os dois lados do muro. De um lado, está a cidade rica, com seus edifícios, seus engravatados, onde tudo parece funcionar. Do outro, estamos nós, a periferia, com os puxadinhos, o esgoto a céu aberto, a falta de transporte público, os despejos, o descaso e a polícia que mata antes de perguntar. Quando atravessamos o muro, somos alvo do preconceito e da desconfiança. Nosso lugar ali é no elevador de serviço. Lá a presença do governo é com melhorias, aqui com polícia. Será que a polícia chama o jovem do Morumbi de vagabundo? Será que as ruas de Higienópolis ficam anos e anos esburacadas? Será que o esgoto corre entre as casa por lá? Sabemos que não. Por isso temos que derrubar estes muros da vergonha.


3)      AUTONOMIA POLÍTICA: Sabemos qual foi o destino de muitos que tinham boas idéias como nós, mas deixaram-se levar para um vínculo político com gente do governo. Perderam a independência e muitos perderam também o caráter e a vergonha na cara. Deixaram-se corromper, traíram a comunidade por um salário de assessor ou outra migalha qualquer. Este risco está colocado para todos nós. Sempre que alguém se levanta para fazer um trabalho de organização e luta nas comunidades, aparece algum abutre querendo puxar para si. E alguns dos nossos, pela necessidade ou pela fraqueza, se deixam levar e passam a viver se humilhando, de gabinete em gabinete. Deixam de fazer luta porque o prefeito é de tal partido, ou com medo da migalha ser cortada. Não queremos este destino para nós. O que não impede que companheiros ligados a partidos façam parte da Periferia Ativa, desde que respeitem a autonomia de nossos espaços de decisão. Por isso, a Periferia Ativa tem como princípio a completa independência em relação aos governos e mandatos parlamentares. Isto passa também pela construção de nossa autosustentação financeira: a dependência financeira é o cordão que amarra boa parte das lideranças ao oportunismo. Sabemos de nosso valor e não abrimos mão dele.



4)      UNIDADE: É necessário unificar as lutas e iniciativas das comunidades. Os problemas que afetam as periferias são quase sempre os mesmos, mas nossa ação anda muito dividida. E a divisão só nos enfraquece: É muito mais fácil alcançar uma conquista com a mobilização de dez comunidades do que com uma só. Queremos fortalecer o laço entre as comunidades e para isso é importante também fortalecer a organização em cada comunidade. Viemos para somar com as associações e lutadores de cada local; onde não exista organização atuante na comunidade, pretendemos estimular sua formação. E é claro que isso só é possível com o respeito ao trabalho comunitário de cada um.


5)      MOBILIZAÇÃO: Há uma frase muito antiga que diz “Direito não se ganha, se conquista; não se mendiga, se arranca”. Entendemos que esta ideia tem muito valor. Até mesmo para a vida de cada um de nós: nunca conseguimos nada sem batalhar e ralar por isso. Também na história, os mais pobres nunca ganharam algo sem luta, sem sacrifício. Por isso, se temos problemas que afetam nossas comunidades precisamos nos mobilizar para que sejam resolvidos. Fazer marchas, passeatas, ocupações, manifestações em órgãos públicos – estes são os principais caminhos para as conquistas. Uma comunidade parada e sem luta pode até receber alguma melhoria, que é entendida como um favor. Mas somente uma comunidade mobilizada pode conquistar direitos de verdade. Assim, a mobilização é a principal forma que temos para garantir nossos direitos.  


6)      PODER POPULAR: Nossa mobilização nos leva a negociar com os governos o atendimento das demandas da comunidade. Esta negociação é uma parte necessária para alcançarmos conquistas. O problema é que muitos de nós acabamos dando tanta importância para isso, para a relação com o poder do Estado, que esquecemos a necessidade de fortalecer o poder da comunidade. Dedicamos nosso tempo a negociar com gente do governo e deixamos de dedica-lo ao trabalho de organização da comunidade. Alguns mais fracos até se tornam arrogantes com isso, se  achando mais importantes por terem tido uma reunião com tal vereador ou com o prefeito ou até mesmo com o sub do sub. Desta maneira, acabamos por valorizar o espaço de poder do Estado e negligenciamos a construção do poder popular. O caminho que queremos construir é outro: criar e fortalecer espaços de discussão e decisão nas comunidades. Sempre que possível, realizar reuniões e assembleias, debatendo em conjunto as dificuldades e alternativas. Para nós, isso é um passo no desafio de construir poder popular.


7)      COORDENAÇÃO COLETIVA: Normalmente, a primeira pergunta que aparece quando surge uma organização popular é: Quem manda? Não à toa. Na maior parte das experiências de organização dos trabalhadores costuma haver uma figura que define tudo sozinha, sem a participação dos militantes envolvidos. É o “cabeça”. Neste caso, as decisões vêm de cima pra baixo, sem discussão. Mas o fato é que, numa organização como essa, as pessoas podem até entrar com o corpo, mas não com a alma. E com razão: Ninguém quer entrar num projeto para receber ordens, ninguém quer só fazer, sem ajudar a decidir. Por isso, a proposta é construirmos a Periferia Ativa pelo princípio da Coordenação Coletiva. Todos os militantes comprometidos com a ação devem ter o direito e o dever de participar da decisão dos rumos que iremos tomar.


8)      COMUNICAÇÃO POPULAR: Comunicar é um direito humano básico.  Logo, todo cidadão deve poder transmitir informações e opiniões nos meios de comunicação. A tarefa de organizar e unificar numa só voz as necessidades e lutas da periferia é muito, muito grande. Se não tivermos como princípio a construção de uma comunicação popular, que permita que nosso grito de liberdade ecoe e seja ouvido por nossos irmãos, nosso desafio se torna impossível. Nossos adversários, os donos do poder, souberam fazer isso de forma incrível. Hoje, 70% dos meios de comunicação no Brasil estão nas mãos de apenas 6 famílias, ricas e poderosas. Com isso, conseguem fazer com que o povo das periferias seja convencido a defender as idéias dominantes contra seus próprios interesses. Por isso, precisamos ter a capacidade de apresentar a nossa visão sobre os nossos problemas. É princípio da Periferia Ativa ter o esforço permanente de desenvolver meios de comunicação próprios, como jornal, rádio comunitária, página na internet e todos os outros que sejam possíveis. Além dos meios próprios, devemos buscar quais são os aliados, solidários às nossas causas, entre os trabalhadores de comunicação das empresas privadas, para que nossas bandeiras, propostas e ações também sejam divulgadas nos meios privados, com menor margem de distorções e manipulações, tão comuns na forma como essas empresas divulgam os movimentos populares.Quem não se comunica, não avança na luta.


Esses são os nossos princípios e estamos dispostos a fazê-los valer na prática. Hoje ainda não somos tantos, mas temos os olhos voltados para o futuro. Todo grande projeto tem seu começo. Acreditamos ser de grande importância a incorporação de novos militantes e associações a esta iniciativa. Todos aqueles que, como nós, considerem importantes estes 8 princípios estão convidados a seguirem com a gente nesta batalha.

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