sábado, 29 de setembro de 2012

Médicos com o selo "60% de acertos"

Segue texto que saiu na Folha de S. Paulo hoje sobre a prova CREMESP.


FABRICIO DONIZETE DA COSTA E HENRIQUE SATER DE ANDRADE
TENDÊNCIAS/DEBATES

Não é ser do contra ou medo de reprovação. Mas o Cremesp não pode nos avaliar com um mero teste de múltipla escolha, sem nem discutir nossos currículos
Seis anos depois de ingressarmos em uma das melhores faculdades de medicina do Estado, recebemos em julho deste ano a notícia de que um decreto do Cremesp, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, nos obrigaria a realizar um exame para podermos atuar como médicos.
Vários especialistas defendem a prova. Ignoram, porém, os buracos de um teste nesses moldes.
Como uma prova de múltipla escolha pode avaliar seis anos de contato vivo com a educação médica, com laboratórios de anatomia, visitas domiciliares a pacientes em bairros periféricos, plantões de 24 horas em prontos-socorros e consultas em ambulatórios especializados?
Não há nada em uma prova assim que lembre a diversidade dos cenários de prática que vivemos diariamente durante o curso de medicina.
No afã pela cura das deficiências na educação médica no Brasil, pela redução do número de erros médicos e dos males causados pela abertura de novas escolas, surge a panaceia do exame do Cremesp.
Nós acreditamos que o nosso curso precise, sim, de avaliação externa, mas não por prescrição goela abaixo, com a fórmula amarga de um exame de habilitação ranqueador e punitivo.
Vão dizer que os estudantes são sempre do contra. Ou que não gostamos de provas, que somos medrosos. Temos medo é de formas minimalistas e precipitadas de enxergar os problemas.
A medicina é um curso eminentemente relacional, que mistura teoria e prática, multidimensional. Trata-se de uma carreira que nos impele à educação permanente e ao trabalho em equipe. Vamos acreditar que a sociedade terá as suas necessidades atendidas por médicos com um selo "60% de acertos", tornando alunos reféns de exame?
Em vez da pretensão de avaliar a formação de um estudante de medicina em um único plano, monocromático, seria mais plausível avaliar currículos, campos de prática, estrutura universitária e corpo docente. A prova só garantirá que os reprovados serão taxados pelos problemas causados por um processo de seis anos de déficits.
Não somos críticos do exame por medo de não alcançarmos a nota mínima desejada, mas por contestarmos a falsa sensação de que ele cria segurança. A população terá as suas necessidades atendidas de melhor forma com um esforço de avaliação mais amplo, continuado e com várias dimensões. É preciso também garantir infraestruturas material e humana adequadas às escolas.
Depois de seis anos de longos estudos, especialistas que sequer discutem nossos currículos nos obrigarão a fazer uma prova. Se as múltiplas escolhas da prova se tornaram a única escolha, não há como os alunos não se manifestarem contra.
FABRICIO DONIZETE DA COSTA, 24, e HENRIQUE SATER DE ANDRADE, 23, são estudantes do último ano do curso de medicina da Unicamp

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