Nas últimas semanas, a Polícia Militar tem sitiado vários bairros periféricos
da Região Metropolitana de São Paulo. Numa suposta reação a ataques do crime
organizado, policiais tomam comunidades, fecham ruas e abordam de forma
indiscriminada e frequentemente agressiva os moradores. Como costuma ocorrer em
casos como este, a “reação” é inteiramente desproporcional à ação. Além de
desorientada.
Desde o início de junho, quando a
ROTA protagonizou uma brutal chacina na Zona Leste, executando 6 pessoas que
estariam em uma “reunião do PCC”, o clima de terror alastrou-se pelas
periferias. Segundo a própria PM, cerca de 100 mil pessoas foram abordadas
entre os dias 24 e 30 de junho. Neste mesmo período, cerca de 400 pessoas foram
presas. Mas estes números são apenas a face pública da situação.
Momentos como este, em que a
polícia – estimulada pela maior parte da imprensa e pelo sentimento fascista de
um setor da classe média – coloca-se como vítima, que precisa reagir em nome da
lei e do Estado de Direito, são extremamente perigosos. Abre-se então a
temporada de caça aos “criminosos”, identificados sem muita restrição aos
pobres, moradores da periferia, negros e, preferencialmente, jovens.
Julgamentos sumários, extermínios e acertos de contas são feitos em nome da lei
e da ordem.
Há seis anos o mesmo estado de São Paulo vivenciou uma situação análoga. O
resultado foi a maior chacina, ainda que descentralizada, de que se tem notícia
nas últimas décadas no Brasil. Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, 493
pessoas, em sua maioria jovens da periferia, foram mortos pela PM. À época,
associou-se tais mortes a uma reação da PM aos ataques e os mortos a criminosos
do PCC. Os relatos daquele maio sangrento foram recuperados e podem ser
acessados por todos através do Movimento das Mães de Maio, organização de
mulheres que perderam seus filhos na suposta reação ao crime organizado.
Esta Cruzada contra o “crime” de
2006, naturalmente não reduziu os índices de criminalidade no estado. Não era
esse seu objetivo. É mais do que sabido que o combate ao crime organizado
passa, antes de tudo, por enfrentar suas profundas ramificações dentro do
próprio Estado e, em particular, da polícia. O que a chacina de 2006
representou foi uma oportunidade privilegiada de criminalização da pobreza, de
extermínio sádico e de mostrar aos trabalhadores mais pobres qual deve ser o
seu lugar nesta sociedade.
As últimas semanas nos fizeram
reviver este pesadelo. Toques de recolher, prisões e mortes obscuras estão
novamente sendo naturalizados pelo governo e imprensa sob o argumento do
combate ao crime. Não nos parece natural que a PM imponha toques de recolher no
Capão Redondo, Jardim São Luiz e Grajaú ou em regiões de Guarulhos, como
ocorreu dias atrás.
No Capão Redondo, depois da morte
de um policial que estava de folga, pelo menos 8 pessoas foram executadas por
um grupo encapuzado. Após um destes extermínios, o do copeiro Eleandro Cavalcante de Abreu, de 21 anos, um ônibus
foi incendiado em protesto. Entre 17 e 28 de junho já foram 21 assassinatos no
bairro. Moradores do bairro Jd. São Bento Novo afirmam que a polícia baleou
três jovens que não tinham sequer passagem pela polícia. No Jardim São Luiz, 6
jovens foram executados em situação semelhante.
O hospital do
M’Boi Mirim, na mesma região, atendia cerca de 6 feridos por bala nos dias que
seguiram os ataques. A média desse tipo de atendimento era de 2 por semana,
segundo funcionários do hospital.
No Grajaú, também
na zona sul, após ataque a uma base da PM, a quinta feira dia 27 foi de
bastante temor para os moradores. Helicópteros e ostensiva presença da Força
Tática impunham toque de recolher como forma de retaliação. Moradores do bairro
dos Pimentas, em Guarulhos, afirmam que além do toque de recolher, cerca de 13
pessoas foram executadas nos últimos dias. No último dia 2 de julho, a Rota
executou dois jovens em Sapopemba, zona leste da capital. Apenas entre os dias
17 e 28 de junho, 127 pessoas foram assassinadas, o que é 53% mais do que o
mesmo período do ano passado.
Estas são apenas
algumas das denúncias que conseguimos levantar. O próprio jornal Folha
de S. Paulo publicou, no dia 5 de junho, que os homicídios cometidos
por policiais da ROTA aumentaram 45% nos cinco primeiros meses deste ano em
relação a 2001 e 104% em relação a 2010. Ou seja, antes mesmo dos ataques a
bases da PM, que teriam provocado a “reação”, a polícia já estava num ataque
crescente.
Todos sabem que a imensa maioria
da população que vive na periferia não faz parte do crime organizado. Muito
diferente disso, somos trabalhadores formais, informais, desempregados e quase
sempre super-explorados. Em troca, direitos básicos nos são negados cotidianamente.
Nossa pobreza é tratada como crime a ser punido e reprimido. A única face do
Estado de Direito que se apresenta nas periferias é a polícia.
O governador Geraldo Alckimin foi
à imprensa para dizer que quem enfrentar o Estado vai perder. Sua Secretária de
justiça, Sra. Eloísa Arruda, já havia dito na ocasião do massacre do
Pinheirinho que, para ela, a legalidade está acima dos direitos humanos. A
senha foi dada. Enquanto isso, a chacina continua a céu aberto...
* Guilherme Boulos e Guilherme Simões são membros da coordenação nacional
do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e da Resistência Urbana – Frente
Nacional de Movimentos
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