Por José Afonso da Silva
Era quase noite.
Diolinda acabará de sair do banho. Pôs uma roupa leve, pois o calor estava
insuportável. Observa os cômodos de sua pequena casa e fica orgulhosa como tudo
estava limpinho e cheiroso. “Valeu à pena perder o meu sábado limpando a casa,
agora eu mereço assistir minha novela em paz”, pensou Diolinda.
Ela pega um copo de suco na geladeira, se senta no sofá, estica-se toda para pegar o controle remoto numa penteadeira que ficava ao lado e liga a televisão para assistir sua novela preferida.
O marido foi jogar bola com os amigos e, provavelmente, estaria bebendo com naquele momento. Seus três filhos, dois meninos e uma menina, estavam na rua, sabe se lá fazendo o que. Em casa, só mesmo Diolinda e sua netinha de dois anos, Sabrina, que dormia como um anjo no quarto ao lado.
Diolinda se acomoda no sofá, foca seus olhos na tv. A partir daquele momento nada mais no mundo importaria, só sua novela.
No exato momento em que o vilão da novela se preparava para bater no mocinho, um barulho ensurdecedor entra pela janela. A pequena casa de Diolinda chega a tremer de tão alto que era barulho que vinha da rua. Diolinda não escutava mais o som da TV, mas foi capaz de ouvir sua netinha, chorando no quarto ao lado.
Vociferando vários palavrões, Diolinda pega sua neta no colo e depois pega seu celular que estava preso ao seu sutiã.
“É da polícia? Por favor, tem um bando de marginal aqui em frente a minha casa, fazendo a maior arruaça, usando drogas, trancando a rua e não deixa ninguém dormir”.
Lá fora, na rua, centenas de jovens se aglomeravam em volta de um carro com o porta-malas aberto, lá de dentro saiam quatro caixas de som. Não eram grandes, mas tinha uma potência capaz de fazer até mesmo Beethoven voltar a ouvir.
Eram na maioria adolescentes, alguns não pareciam ter mais de 12 anos de idade. Dançavam, gritavam, faziam passinhos. No fim da rua era possível ver mais jovens chegando ao fluxo. Ainda nem passava das 8 horas da noite.
As meninas, algumas muito novas, usavam shortinhos tão curtos quanto apertados, outras vestiam minissaias bem curta, em ambos os casos, sempre expondo as pernas, fortes e bem delineadas. Usavam mini blusas ou top, sempre com muito brilho.
Algumas se agachavam até o chão, balançando o bumbum, ora devagar, ora mais rápido. Pareciam querer provocar os rapazes. Algumas meninas mais desinibidas punham as mãos nos joelhos e se esfregava nos meninos.
Os meninos se vestiam quase todos do mesmo jeito. Camisa, bermuda, tênis de marca e bonés. A maioria usava correntes grossas, tinham tatuagens no corpo e deixava a cueca a mostra, bem no estilo funk ostentação.
Grupos de meninos transitavam de um lado para o outro da rua segurando uma garrafa pet de dois litros com bebidas feitas por eles mesmos. Alguns poucos dividiam uma garrafa de whisky.
Ao mesmo tempo em que as danças eram muitos sensuais, alguns diriam eróticas, os jovens estavam mesmo era se divertindo, numa das poucas opções de lazer que resta para um jovem pobre da periferia de Taboão da Serra.
Uma família de evangélicos que passava pela rua do pancadão não conseguia esconder a cara de escárnio. Motoristas demoravam vários minutos para percorrerem menos de 50 metros de rua, já que os jovens tomavam toda via.
Os vizinhos fechavam suas janelas, na tentativa de diminuir a entrada do som do funk, que além de alto, era repleto de letras com palavrões e com gemidos de mulheres.
Eis que surge na esquina algumas viaturas da polícia militar e da GCM. Como num passe de mágica, dezenas de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo caiam sobre os jovens que ora se divertiam no pancadão.
Em meio ao barulho das bombas e a fumaça do gás, a multidão corria desesperada de um lado para o outro. Muitos tropeçavam e caiam no chão. Outros choravam e tossiam pelo efeito do gás lacrimogêneo.
Os policiais saiam às pressas de suas viaturas munidos de metralhadoras, gás de pimenta e cassetes atacando e batendo em todos os jovens que encontravam pela frente.
Um grupo de jovens joga pedra na polícia. Ação que foi imediatamente respondida pela polícia com tiros e mais violência.
O barulho do funk era então substituído pelo barulho das bombas e das pessoas gritando e chorando.
Em meio à confusão generalizada, ouve-se um grito que sobressaia sobre todos os outros. Era um grito de dor tão apavorante e amedrontador que o silêncio tomou conta da rua.
Contraditoriamente, lembrei-me do uirapuru, pássaro da Amazônia que quando começa a cantar, faz com que todos os outros pássaros e animais da floresta se calem para ouvi-lo, tamanha é a beleza de seu canto.
Diferente do canto do uirapuru, jovens, transeuntes, moradores e policiais pareciam ter combinado fazer silêncio para descobrir de onde teria vindo aquele grito que atormentava suas consciências.
Viram seus rostos para o sobrado azul de número 77. Quase não era possível vê-lo, quão espeça era a nuvem de fumaça de gás lacrimogêneo que escondia e encobria as casas e adentrava pelas portas e janelas.
Moradores abriam suas janelas com acesso de tosse e com lágrimas nos olhos.
Em meio à cortina de fumaça, surge uma mulher carregando uma criança. Seu choro era tão alto e tão desesperador que todos ficaram emocionados.
Era Diolinda. Com sua neta de dois anos desacordada em seu colo. Diolinda parecia não sentir os efeitos do gás. Só se importava em salvar sua neta que inalou o gás jogado pelos policiais enquanto dormia.
Neste momento, policiais, moradores e os jovens esqueceram suas desavenças e se ofereciam para ajudar Diolinda e sua neta. Um policial pega a neta de Diolinda no colo e a coloca dentro da viatura, que logo em seguida sai em disparada em direção ao hospital do Antena.
Assim que a viatura some de suas vistas, Diolinda desmaia e é socorrida por várias mãos. Desacordada, é acomodada num banco de trás de um carro qualquer e em seguida levada também para o hospital.
Na rua, onde minutos antes acontecia o baile funk, as pessoas se olhavam. Policiais, jovens, moradores, transeuntes e curiosos sem soprarem uma palavra pareciam se indagar se aquilo tudo precisava ter acontecido.
Precisávamos por o som tão alto? pensavam os jovens. Era necessária mesmo toda essa violência contra os jovens do pancadão? pensavam os policiais. Era necessário ter chamado a polícia? Pensavam os vizinhos.
Um sentimento de remorso e culpa tomou conta de todos naquele momento.
E a rua ficou vazia.
Ela pega um copo de suco na geladeira, se senta no sofá, estica-se toda para pegar o controle remoto numa penteadeira que ficava ao lado e liga a televisão para assistir sua novela preferida.
O marido foi jogar bola com os amigos e, provavelmente, estaria bebendo com naquele momento. Seus três filhos, dois meninos e uma menina, estavam na rua, sabe se lá fazendo o que. Em casa, só mesmo Diolinda e sua netinha de dois anos, Sabrina, que dormia como um anjo no quarto ao lado.
Diolinda se acomoda no sofá, foca seus olhos na tv. A partir daquele momento nada mais no mundo importaria, só sua novela.
No exato momento em que o vilão da novela se preparava para bater no mocinho, um barulho ensurdecedor entra pela janela. A pequena casa de Diolinda chega a tremer de tão alto que era barulho que vinha da rua. Diolinda não escutava mais o som da TV, mas foi capaz de ouvir sua netinha, chorando no quarto ao lado.
Vociferando vários palavrões, Diolinda pega sua neta no colo e depois pega seu celular que estava preso ao seu sutiã.
“É da polícia? Por favor, tem um bando de marginal aqui em frente a minha casa, fazendo a maior arruaça, usando drogas, trancando a rua e não deixa ninguém dormir”.
Lá fora, na rua, centenas de jovens se aglomeravam em volta de um carro com o porta-malas aberto, lá de dentro saiam quatro caixas de som. Não eram grandes, mas tinha uma potência capaz de fazer até mesmo Beethoven voltar a ouvir.
Eram na maioria adolescentes, alguns não pareciam ter mais de 12 anos de idade. Dançavam, gritavam, faziam passinhos. No fim da rua era possível ver mais jovens chegando ao fluxo. Ainda nem passava das 8 horas da noite.
As meninas, algumas muito novas, usavam shortinhos tão curtos quanto apertados, outras vestiam minissaias bem curta, em ambos os casos, sempre expondo as pernas, fortes e bem delineadas. Usavam mini blusas ou top, sempre com muito brilho.
Algumas se agachavam até o chão, balançando o bumbum, ora devagar, ora mais rápido. Pareciam querer provocar os rapazes. Algumas meninas mais desinibidas punham as mãos nos joelhos e se esfregava nos meninos.
Os meninos se vestiam quase todos do mesmo jeito. Camisa, bermuda, tênis de marca e bonés. A maioria usava correntes grossas, tinham tatuagens no corpo e deixava a cueca a mostra, bem no estilo funk ostentação.
Grupos de meninos transitavam de um lado para o outro da rua segurando uma garrafa pet de dois litros com bebidas feitas por eles mesmos. Alguns poucos dividiam uma garrafa de whisky.
Ao mesmo tempo em que as danças eram muitos sensuais, alguns diriam eróticas, os jovens estavam mesmo era se divertindo, numa das poucas opções de lazer que resta para um jovem pobre da periferia de Taboão da Serra.
Uma família de evangélicos que passava pela rua do pancadão não conseguia esconder a cara de escárnio. Motoristas demoravam vários minutos para percorrerem menos de 50 metros de rua, já que os jovens tomavam toda via.
Os vizinhos fechavam suas janelas, na tentativa de diminuir a entrada do som do funk, que além de alto, era repleto de letras com palavrões e com gemidos de mulheres.
Eis que surge na esquina algumas viaturas da polícia militar e da GCM. Como num passe de mágica, dezenas de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo caiam sobre os jovens que ora se divertiam no pancadão.
Em meio ao barulho das bombas e a fumaça do gás, a multidão corria desesperada de um lado para o outro. Muitos tropeçavam e caiam no chão. Outros choravam e tossiam pelo efeito do gás lacrimogêneo.
Os policiais saiam às pressas de suas viaturas munidos de metralhadoras, gás de pimenta e cassetes atacando e batendo em todos os jovens que encontravam pela frente.
Um grupo de jovens joga pedra na polícia. Ação que foi imediatamente respondida pela polícia com tiros e mais violência.
O barulho do funk era então substituído pelo barulho das bombas e das pessoas gritando e chorando.
Em meio à confusão generalizada, ouve-se um grito que sobressaia sobre todos os outros. Era um grito de dor tão apavorante e amedrontador que o silêncio tomou conta da rua.
Contraditoriamente, lembrei-me do uirapuru, pássaro da Amazônia que quando começa a cantar, faz com que todos os outros pássaros e animais da floresta se calem para ouvi-lo, tamanha é a beleza de seu canto.
Diferente do canto do uirapuru, jovens, transeuntes, moradores e policiais pareciam ter combinado fazer silêncio para descobrir de onde teria vindo aquele grito que atormentava suas consciências.
Viram seus rostos para o sobrado azul de número 77. Quase não era possível vê-lo, quão espeça era a nuvem de fumaça de gás lacrimogêneo que escondia e encobria as casas e adentrava pelas portas e janelas.
Moradores abriam suas janelas com acesso de tosse e com lágrimas nos olhos.
Em meio à cortina de fumaça, surge uma mulher carregando uma criança. Seu choro era tão alto e tão desesperador que todos ficaram emocionados.
Era Diolinda. Com sua neta de dois anos desacordada em seu colo. Diolinda parecia não sentir os efeitos do gás. Só se importava em salvar sua neta que inalou o gás jogado pelos policiais enquanto dormia.
Neste momento, policiais, moradores e os jovens esqueceram suas desavenças e se ofereciam para ajudar Diolinda e sua neta. Um policial pega a neta de Diolinda no colo e a coloca dentro da viatura, que logo em seguida sai em disparada em direção ao hospital do Antena.
Assim que a viatura some de suas vistas, Diolinda desmaia e é socorrida por várias mãos. Desacordada, é acomodada num banco de trás de um carro qualquer e em seguida levada também para o hospital.
Na rua, onde minutos antes acontecia o baile funk, as pessoas se olhavam. Policiais, jovens, moradores, transeuntes e curiosos sem soprarem uma palavra pareciam se indagar se aquilo tudo precisava ter acontecido.
Precisávamos por o som tão alto? pensavam os jovens. Era necessária mesmo toda essa violência contra os jovens do pancadão? pensavam os policiais. Era necessário ter chamado a polícia? Pensavam os vizinhos.
Um sentimento de remorso e culpa tomou conta de todos naquele momento.
E a rua ficou vazia.
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