quinta-feira, 9 de maio de 2013

Currículo da Pobre Preta, Gorda, feia, velha... e ainda Mulher. E a busca de emprego!

Por Jonathan de Oliveira Mendonça

Escrevi este currículo
Bem que possa parecer
De fato um tanto ridículo
Porém, por estranho ser,
Que o leia atentamente
Curioso ao diferente

Dados Pessoais

Nome Completo: Maria
Santos Silva de Oliveira
Habito em Olaria
Por três visitei parteira
Sou do Rio de Janeiro
Trinta e nove anos inteiros

Sobre a forma de contato
Telefone é orelhão
Mas não tenho um de fato
E e-mail, não tenho não
Por não ter computador
Que é caro e é pra Dr.

Experiência Profissional
Experiência é tanta
Que aqui para relatar
Posso até perder as contas
E se acaso não lembrar
Importa o que aqui está
-Nem sendo isso alguém lerá-

Eu já fui Dona de casa
Trabalhei de diarista
Tudo cons filhos n’asa
Como feito de artista
Fazia comida, lavava
Roupa e tudo agüentava

Preocupada com o marido
Bonita o quanto possível
Maquiava... e o leite vivo
Derramava imprevisível
Limpava o fogão correndo
Sendo dez uma só sendo:

Mais novo querendo comer
Outro querendo fumar
A menina quis crescer
Por isso resolveu dar
A patroa quer as roupas
E fala boas e poucas

Escuto sem reclamar
Limpo a bagunça todinha
A minha, as do meu lar
E aquela que nem é minha
Pra cuidar do meu marido
E dos meus filhos queridos

Cursos

Curso, eu tenho os da vida
Que a vida não concedeu
Que eu fizesse outros na ida
Do curso que a vida deu
Sei apenas lé-com-cré
(Isso não basta, não é?!)

Foto 3x4

Agora o que mais importa
Pelo que eu sempre noto
Relatarei... sobre a torta
Que aparece na foto:
Preta, Gorda e feia é
Velha, e ainda mulher!

Mas relato defendendo
Com argumento e vigor
Pois qualidade é adendo
Pro povo que é sofredor
O que eu quero é trabalho
O resto, eu como com alho!

¹
Sou preta, cabelo ruim
Mas não dispenso labuta
Se mi’a mãe me fez assim
Chame de filha da puta
E meu cabelo de ouriço
Porém, me dê o serviço

Se pensar bem, tu verás
Que pra uma maior usura
Melhor mi’a pele que traz
A marca da escravatura
Que o salário desce mais
E o teu lucro assegura

²
Sou gorda, do braço forte
Mas não dispenso labora
Se a vida não me deu sorte
Chame de obesa agora
Diga que como chouriço
Porém, me dê o serviço

Se pensar bem, tu verás
Que pra uma maior usura
Pior ser magra demais
Melhor sobrar a gordura
Que o salário desce mais
E o teu lucro assegura

³
Sou velha, de trinta e tantos
Mas não dispenso a panela
Se a idade tira os encantos
Velha e feia é mais que a bela
Chame até de estrupício
Porém, me dê o serviço

Se pensar bem, tu verás
Que pra uma maior usura
Melhor pros saldos finais
Estar perto a sepultura
Que o salário desce mais
E o teu lucro assegura

4
Sou mulher, tenho vagina
Mas não dispenso a enxada
Se sou frágil e pequenina
Tenho a força ocultada
Ofenda-me e o catiço
Porém, me dê o serviço

Se pensar bem tu verás
Que pra uma maior usura
Bem mais que um macho voraz
Vale minha formosura
Que o salário desce mais
E o teu lucro assegura

Informações Adicionais

Já com o diálogo aberto
Vou-lhe chamando patrão
Pois creio que és esperto
E o lucro é tua ambição
Eis aqui a moça torta:
Preta, gorda, quase morta

Se cada das qualidades
Puxa abaixo o meu salário
E tu, só por vaidade
Não me contrata, és otário
Eu vou a um mais esperto
Que me contrata decerto

E quando lá estiver
Recebendo a metade
Meu patrão vai lhe dizer
Que o que eu lhe disse é verdade:
“Sempre é caro o branco e macho
Mulher e preta é capacho”

*
A marca da escravatura
A marca da ignorância
Arrebata a escultura
Que se exalta com pujança
Na testa da negra estampa
A inscrição de inferior
Com o sangue na mão branca
Sangue negro em seu senhor
E o sangue fora da vista
Derramado se esconde
E o branco capitalista
Finge não saber de onde
Vem o rubro escondido
-Não sabe a sua nascente-
E à leste, está esquecido
O gigante continente
Que chora a dor e a avaria
Da humanidade inteira
No sofrimento de Maria
Santos Silva de Oliveira
Que por possuir a cor
Do que é mais subjetivo
Apanha e não vê que a dor
Que sente não tem motivo

*
Na gordura, o empecilho
Cada quilo uma vergonha
Cada vergonha estribilho
E em cada verso o que sonha:
Não querer corpo vendido
-Prostitui-se a formosura-
Querer, do ventre nascido,
Alimentar a criatura
Não querer que sobreponha
A cor pelo sentimento
Não querer que o que se sonha
Seja, ao mercado, fomento
Querer que da humanidade
Seja o útero expressão
Querer que fragilidade
Não seja submissão
E um sentimento lhe chega
Como nunca até então
Um sentimento que nega
A busca da exploração
Um sentimento que acampa
E marca a sua mão
Vendo que a marca se estampa
Na palma de outra mão
E que as mãos espalmadas,
Uma a uma, mão a mão
Não se unem acorrentadas
-resquícios da escravidão-
Hoje, presas, são libertas
Uma a uma, mão a mão
Livres-presas apontam certas
A fazer revolução

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