Com
uma votação no senado de 39 a favor, 4 contra e 2 abstenções, o presidente
Fernando Lugo foi deposto. Isso tudo ocorreu sete dias depois da morte de 17
pessoas em um enfrentamento armado entre policiais e camponeses sem terra,
que foram expulsos de uma reserva florestal, em uma nova forma de destituir
presidentes que não são muito simpáticos aos interesses da burguesia
nacional. Eles são depostos desdenhando-se o direito de voto do povo que os
elege, como aconteceu em Honduras quando foi destituído o presidente Zelaya.
Lugo chegou ao poder com uma coalizão de partidos,
entre os quais alguns de esquerda, depois das eleições de 20 de abril de
2008, com uma vantagem de 10 pontos à frente da candidata do Partido
Colorado, partido direitista de tendência liberal conservadora. Assim, Lugo
se tornou o segundo presidente de esquerda que ganha as eleições no Paraguai,
o primeiro depois de Rafael Franco, que ficou no cargo de 1936 até 1937.
Depois dos acontecimentos ocorridos em Curuguaty, 240
km a nordeste da capital, propriedade de um membro do Partido Colorado,
quando o ministro do interior ordenou a expulsão pela força, resultando em 11
camponeses e 6 policiais mortos, eclodiram fortes críticas da opinião
pública, o que gera a demissão do ministro do interior, Carlos Filizzola, e
do comandante da polícia, Paulino Rojas. Cabe ressaltar que esse ministro é
presidente do Partido País Solidário (PPS), e que voltou ao seu cargo de
senador no congreso, para atuar no processo do presidente Lugo. Diferentes
versões dizem que tudo isso é uma armação para tirar o presidente do cargo, a
apenas 9 meses das eleições presidenciais.
Protestos
Após a decisão que tirou Lugo do poder, ocorreram
protestos nas ruas de Assunção, que foram reprimidos de forma violenta, como
ocorreu em Honduras quando houve o golpe contra Zelaya. É de se esperar que
nos próximos dias aumentem os protestos contra esse golpe de Estado.
A farsa é legalizada
Federico Franco foi nomeado como presidente do
governo de facto. Ele era vice-presidente, com fortes diferenças com Lugo, e
se presta a essa armadilha política. Em suas primeiras declarações, ele se
afasta do presidente, anunciando que “Não estive de acordo com o
presidente Lugo em muitas de suas decisões de governo, porque fui eleito,
como ele, em 20 de abril de 2008, para administrar o país, mas ele me
ignorou”. Franco, de 49 anos, tem a experiência política de ter sido
governador do Departamento Central (área metropolitana) entre 2003 e 2008
pelo Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), atual integrante da aliança
que apoiava o governo Lugo.
Protesto internacional
Após o anúncio da deposição de Lugo, os chanceleres da
União das Nações Sul-Americanas (Unasul), qualificaram a decisão como um “ato
vergonhoso” e anunciaram que emitiriam uma declaração conjunta. Seu
secretario, o venezuelano Alí Rodríguez, repudiou o fato e ratificou seu
apoio a Lugo, e Argentina, Brasil, Bolívia, Venezuela e Equador ainda não
reconheceram o novo governo paraguaio, que qualificaram de “ilegítimo”, e
mesmo o Brasil apoiou a suspensão do Paraguai da Unasul e do Mercosul.
De seu lado, a OEA, em uma declaração ambígua, disse
que se “respeitou o devido processo" no julgamento político de Lugo, em
um debate em que os representantes da Nicarágua, Bolívia e Venezuela
criticaram o que qualificaram de “golpe encoberto”, deixando novamente o
caminho aberto para que coisas como essas continuem acontecendo no
continente.
·
Exigimos que se respeite a vontade popular
que decidiu em eleições livres eleger Fernando Lugo.
·
Fim da repressão contra o povo paraguaio
por parte do governo ilegítimo.
·
Que o povo se organize para derrotar a
farsa montada no Paraguai, para que não aconteça o que houve em Honduras,
onde houve eleições cheias de irregularidades por um governo que chamou essas
eleições sem ter legitimidade popular para isso.
·
Pela unidade latino-americana dos povos,
para que situações como essa não ocorram nunca mais no continente. Por
protestos em todas as embaixadas do Paraguai para repudiar esse novo estilo
de golpe de Estado.
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sexta-feira, 29 de junho de 2012
Paraguai: golpe mal velado
Texto Integral da Denúncia do Caso Pinheirinho Feita por Juristas à OEA
Veja o texto integral assinado por Juristas que será julgado pela corte da América.
Do site do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)
REQUERENTES
- Rede Social de Justiça e de Direitos Humanos
- Associação por Moradia e Direitos Sociais- ADMS
- Sindicato dos Advogados de São Paulo
- Marcio Sotelo Felippe
- Fabio Konder Comparato
- Celso Antonio Bandeira de Mello
- Cezar Britto
- José Geraldo de Sousa Junior
- Dalmo de Abreu Dallari
- Aristeu Cesar Pinto Neto
- Antonio Donizete Ferreira
- Nicia Bosco
- Giane Ambrósio Álvares
- Camila Gomes de Lima
Os peticionários não desejam que suas identidades sejam mantidas em reserva frente ao Estado.
ESTADO MEMBRO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS CONTRA O QUAL SE APRESENTA A DENUNCIA:
- República Federativa do Brasil
AUTORIDADES RESPONSÁVEIS PELAS VIOLAÇÕES
1. Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin
2. Prefeito do Município de São José dos Campos, Eduardo Pedrosa Cury
3. Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Ricardo Garisio Sartori
4. Juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rodrigo Capez
5. Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Cândido Além
6. Juíza da 6ª Vara Cível da Comarca de São José dos Campos-SP, Márcia Faria Mathey Loureiro
7. Juiz da 18ª Vara Cível do Fórum Central João Mendes, em São Paulo-SP, Luiz Beethoven Giffoni Ferreira
8. Comandante da Operação Policial, Coronel PM Manoel Messias
DATA E LUGAR DOS FATOS
Os fatos ensejadores das violações de direitos humanos narradas nesta petição tiveram início no dia 22 de janeiro de 2012, (portanto não exaurido o prazo de 6 meses, previsto no artigo 32, do Regulamento da CIDH) com a execução da ordem de despejo contra os moradores da Comunidade do Pinheirinho, na cidade de São José dos Campos, Estado de São Paulo, Brasil, e perduram até o dia de hoje, tendo em vista que não foram realizadas medidas aptas ao restabelecimento de condições de moradia digna, nem tampouco de respeito ao direito ao trabalho e à educação, dentre outros, das famílias afetadas. Da mesma forma, não foram, até a presente data, realizados procedimentos com vistas à reparação dos danos materiais, morais e penais sofridos no contexto do que se tornou conhecido no país como o “Massacre do Pinheirinho”.
SUMÁRIO
I. OS FATOS
1. Esclarecimentos prévios
2. A ordem judicial violadora dos direitos fundamentais das vítimas e sua execução
2.1. A morte do morador Ivo Teles da Silva. Evidências de que a morte ocorreu em decorrência das agressões físicas praticadas por policiais militares durante a desocupação da comunidade.
2.2. Caso David Washington Furtado. Morador baleado durante a desocupação
3. A situação das vítimas após a destruição do bairro
3.1 Condições atuais de moradia precária.
4. A atuação do Poder Judiciário e dos Poderes Executivos do Estado de São Paulo e do Município de São José dos Campos
II. As violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e demais documentos
III. Admissibilidade
IV. Responsabilizações e Reparações
V. Vítimas
VI. Provas e Testemunhas
I – OS FATOS
1. Esclarecimentos prévios
A comunidade Pinheirinho, localizada em São José dos Campos, Estado de São Paulo, Brasil, formou-se a partir de 2004 em uma área abandonada de cerca de 1,3 milhões de metros quadrados. O terreno foi ocupado por pessoas de baixa renda em decorrência do déficit habitacional no Município.
Cadastramento realizado em agosto de 2010 pela Prefeitura de São José dos Campos constatou a presença de 1.659 famílias, num total de 5.488 pessoas, número equivalente a aproximadamente 1% da população do município. A partir de 2009, por exigência da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (órgão do Estado de São Paulo), a ocupação foi “congelada”, não se permitindo mais a entrada de outras famílias.
Ao longo de quase oito anos o bairro consolidou-se, com casas de alvenaria, ruas traçadas, avenidas, praças, local para equipamentos públicos e áreas de preservação ambiental. Quase a totalidade das moradias estava construída de acordo com as regras urbanas do Município.
O antropólogo Inácio Dias de Andrade conviveu diariamente com os moradores do Pinheirinho entre os anos 2007 e 2010, escrevendo sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo sobre essa experiência com a comunidade.
Conta o antropólogo:
“O terreno foi dividido, desde o início, em setores que podiam comportar um número determinado de casas, evitando a superpopulação do local. Às terças-feiras, cada setor se reunia, após o horário de trabalho dos moradores – geralmente à seis da tarde. Aos sábados, no mesmo horário, os moradores formavam uma Assembléia Geral, que contava com os encaminhamentos feitos anteriormente em cada setor (...) Nesses espaços de gestão democrática eram decididas as regras gerais de convivência (...) Delimitava-se as zonas que seriam destinadas à preservação ambiental, ao plantio de alimentos ou locais de risco em que não se poderia construir casas. Além disso, nessas ocasiões, eram resolvidas questões relativas à segurança da população do local e do entorno. Roubo, tráfico de drogas ou quaisquer outras atividades ilícitas eram rigidamente controladas pelas lideranças e moradores (...) Durante todos os anos de existência do acampamento não foi registrada uma morte sequer no local. Ao invés de vagabundos, o movimento se constituía num microcosmo de atuação democrática. (texto completo em http://antropologiausp.blogspot.com.br/2012/02/pinheirinho-para-alem-da-desocupacao.html - Anexo 01).
Verifica-se por esse relato que a comunidade do Pinheirinho não resultou de uma ocupação desordenada e caótica nem tampouco foi reduto de pessoas vivendo à margem da lei. Era formada por cidadãos produtivos e suas famílias, que construíram uma situação socialmente consolidada, ocupando uma imensa área abandonada e improdutiva. A comunidade, portanto, deu ao imóvel sua função social.
Havia uma negociação em curso para a regularização da área como núcleo habitacional. Participavam dos entendimentos representantes dos moradores, Secretaria Nacional de Habitação, Secretaria Estadual de Habitação e a Prefeitura de São José dos Campos. Devido ao grande número de moradores e à complexidade dos procedimentos burocráticos, as negociações transcorriam lentamente, desde 2009.
O terreno consta como propriedade da empresa Selecta Comércio e Indústria S/A, controlada pelo investidor Naji Nahas, nacionalmente conhecido por acusações de irregularidades praticadas no mercado financeiro . A empresa está com processo de falência em curso perante a 18ª. Vara Cível da Comarca de São Paulo. No momento dos fatos ora denunciados todos os créditos privados contra a massa falida haviam sido resolvidos, remanescendo apenas créditos fiscais em favor da Prefeitura e da União (anexo 02- Despacho Juiz Luiz Beethoven).
2. A ordem judicial violadora dos direitos fundamentais das vítimas e sua execução
Afirma o defensor público Jairo Salvador de Souza, que exerce sua função na comarca de São José dos Campos, que
“o histórico desrespeito aos Direitos Humanos na cidade revela uma reiterada negação ao epicentro axiológico de toda ordem constitucional: o respeito à dignidade humana. Nesse sentido, o caso Pinheirinho é emblemático”.
Relata que nos últimos 10 anos outras comunidades, sob os mais diversos pretextos, desapareceram:
“Só para citar algumas: Morro do Regaço (Vila Nova Tatetuba, Nova Detroit, Caparaó, Salinas, Vila do Pena,, Torrão de Ouro, Favela do Banhado (em curso), Comunidade do Jardim das Indústrias, Santa Cruz I, Travessa dos Anões, Henrique Dias, Martins Guimarães”.
“A política pública implementada na cidade propugnava a eliminação física dos adensamentos informais” (anexo 03 – Boletim da Associação dos Juízes para a Democracia).
Anteriormente aos fatos a Prefeitura fez aprovar uma lei – denominada “Lei Hayashi” – que vedava aos moradores de ocupações o acesso a serviços públicos. A lei foi declarada inconstitucional.
Em 2004 a massa falida da Selecta ingressou com ação de reintegração de posse, cuja liminar foi indeferida em 2005 pelo juiz da 6ª Vara Cível de São José dos Campos.
No entanto, transcorridos quase oito anos, a reintegração liminar foi deferida pela juíza Marcia Faria Mathey Loureiro, em junho de 2011.
É nesse momento que os interesses da empresa proprietária, que jamais havia dado finalidade social à área, usando-a para fins meramente especulativos, e das autoridades municipais, empenhadas em eliminar da cidade ocupações dessa natureza, ganham a possibilidade de serem atendidos, pouco importando o destino dos moradores da comunidade.
Em razão das impugnações judiciais cabíveis e também do tempo que a Polícia Militar necessitava para a execução do despejo dessa magnitude, a decisão não foi imediatamente realizada.
Diante da tragédia social e humana que se avizinhava, com a iminente retirada à força de 1659 famílias de suas moradias , parlamentares e representantes dos moradores tentaram uma negociação com os interessados e autoridades judiciais.
No dia 18 de janeiro de 2012, quinta-feira, reuniram-se no gabinete do juiz da Falência, Dr. Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, o Senador da República Eduardo Matarazzo Suplicy, os Deputados Estaduais Carlos Giannazi e Adriano Diogo, o Deputado Federal Ivan Valente, o síndico da massa falida Jorge T. Uwada, o advogado da massa falida Julio Shimabukuro e o advogado da empresa falida Selecta, Waldir Helu.
Conseguiu-se então um acordo de suspensão da ordem judicial de reintegração de posse pelo prazo de 15 dias. O juiz da falência declarou na petição em que formalizado o acordo, por despacho de punho próprio, que havia telefonado para a juíza Márcia Loureiro, responsável pela ordem de reintegração de posse, comunicando o resultado da negociação (anexo 04 - Petição do acordo de suspensão do despejo e Anexo 05 – Relatório Oficial do Senador Suplicy).
No entanto, de surpresa, sem qualquer notificação, em flagrante, literal e traiçoeira violação do acordo de suspensão da ordem judicial, três dias depois ocorreu a violenta desocupação e remoção das 1.659 famílias.
Na madrugada de domingo, dia 22 de janeiro de 2012, às 5h30 da manhã, o bairro Pinheirinho foi cercado pela polícia estadual e pela guarda municipal de São José dos Campos. Mais de 2 mil policiais entraram na área, lançando bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha contra uma população que dormia, indefesa. Todos os moradores, incluindo mulheres, recém-nascidos, crianças, idosos e enfermos foram arrancados de suas casas (Anexo 06 – fotografias do despejo, Anexo 07 – vídeo despejo e violências, Anexo 08 - Vídeo - Repórter se emociona no Pinheirinho em São José dos Campos, Anexo 09 - Vídeo - Pinheirinho perdi tudo, Anexo 10 - Vídeo - Reintegração de Posse volta para a massa falida e Anexo 11 - Vídeo - Audiência Pública Sobre o Pinheirinho - Defensor Jairo Salvador).
Máquinas derrubaram as edificações, destruindo bens pessoais, móveis e utensílios dos moradores. Praticamente não foi concedida oportunidade para a retirada de bens pessoais, documentos e papéis.
Também foram demolidos todos os espaços de uso coletivo e todos os templos religiosos (um católico e seis protestantes).
Aquelas 6 mil pessoas foram tratadas como animais, arrancadas de suas moradias e lançadas em abrigos coletivos improvisados.
Durante a desocupação, dentro dos abrigos, os moradores ainda recebiam pancadas, eram vítimas de policiais armados, de balas de borracha e bombas de gás. Ambulâncias saiam do local carregando feridos, inclusive crianças vítimas dos gases e bombas de efeito moral.
As balas e bombas eram lançadas em todos os bairros contíguos ao terreno, atingindo pessoas e residências.
Mesmo após a desocupação, durante a noite, a Polícia Militar ainda atirava bombas de gás dentro do pátio da Igreja, onde se resguardavam moradores que não quiseram ficar nos abrigos.
Os advogados não puderam acompanhar os atos da desocupação, inobstante sua natureza judicial. Alguns levaram tiros com balas de borracha, como o advogado Antônio Donizete Ferreira, atingido nas costas, joelho e virilha por balas de borracha. Membros da Defensoria Pública, órgão estatal responsável pela assistência jurídica aos necessitados, foram impedidos militarmente de acompanhar o cumprimento da ordem.
A imprensa também não pode acompanhar o procedimento policial.
Pode-se comparar a operação policial, em sua brutalidade e selvageria, a um “pogrom”, ou à Noite dos Cristais na Alemanha nazista, que destruiu milhares de propriedades, casas e templos da comunidade judaica em 1938. Na comunidade do Pinheirinho, no Brasil de 2012, no entanto, o motivo não foi o ódio étnico. Foi o alegado direito de propriedade, reputado absoluto pelo Judiciário e imposto ao custo de indizível sofrimento de toda uma população.
A remoção violenta das 6 mil pessoas aqui descrita, além de violadora de diversos dispositivos da Convenção e da Declaração Americanas, a seguir mencionados, também caracteriza crime contra a Humanidade, nos termos do art. 7º , letra “k”, do Estatuto de Roma: ato desumano que provocou intencionalmente grande sofrimento, ferimentos graves e afetou a saúde mental e física de coletividade. Frontal violação do princípio da dignidade humana, com insuperável dano à integridade física e psíquica das vítimas e efeitos traumáticos em crianças, que perdurarão em suas existências.
O Relatório parcial produzido pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) do Estado de São Paulo. Em reunião pública, que contou com a colaboração de cerca de 90 defensores dos direitos humanos, o órgão tomou a termo depoimentos de 634 moradores do Pinheirinho, então abrigados – ou, melhor dizendo, empilhados - nos abrigos precários fornecidos pela prefeitura de São José dos Campos (Anexo 12 – Relatório do Condepe).
Trechos de depoimentos :
“Muito constrangimento. Morava numa casa simples e sonhava que o loteamento fosse legalizado para viver dignamente. Foi horrível o que passamos lá. Crianças e idosos sendo tratados feito vermes” (Marisley, moradora do Pinheirinho com uma filha de 9 anos
“Já existia uma casa onde meus filhos tinham seu quarto, com endereço e identidade. Vimos o sonho que construímos com luta e dignidade virar um pesadelo. O que quero é o direito e a oportunidade de ter meu lar e um lugar digno para minhas filhas” (Luciana, mãe de 3 filhos)
“Não sabia de nada, não teve aviso prévio (...) um dia antes estavam comemorando que iam conseguir um prazo de 15 dias, mas os policiais vieram no domingo de surpresa. Quando soube já estavam derrubando outras casas. Mandaram todos ir para dentro de casas sem explicações. Foi tentar ver o que acontecia, mas cordões policiais barravam a visão. Viu um senhor de uns 70 anos sendo espancado mas não sabe o nome (...) ficou em casa esperando os policiais chegarem e arrumou umas mochilinhas com roupas. Os policiais mandaram sair, e avisaram que ligariam depois para retirar os móveis e tudo o que estivesse nas casas. Pegou telefone e RG [documento de identidade] mas não ligaram até hoje. Maria voltou lá para tentar pegar os móveis mas o trator estava chegando, ela pegou apenas o que pode. No outro dia o marido foi no local da casa e estava tudo destruído, mesmo os móveis estavam destruídos. O policial falou no domingo: ‘vocês ainda têm sorte que o comandante liberou vocês para pegarem as coisas, porque a juíza tinha avisado que tudo que havia dentro das casas era lixo’. Com as bombas de gás lacrimogênio, a filha J (15 anos) passou mal mas os hospitais estavam fechados com a confusão” (Maria de Jesus, moradora do Pinheirinho, com marido e 3 filhos).
“...Disse que na hora mesmo da reintegração só davam 5 minutos para tirar algumas coisinhas. Se demorasse recebia bala de borracha (...) os policiais xingavam muito, gratuitamente: ‘bando de filho da puta, entra pra dentro’ para mandar as pessoas para dentro de casa” (Cláudia, moradora com marido e 4 filhos)
“Os policiais foram muito estúpidos, apressando muito, debochando dos moradores. Ela nem teve tempo de pegar documentos, só a bolsa que tinha os documentos dos filhos. Os policiais chegaram jogando bombas, muito brutos e rasgando as faixas do PSTU [partido político] debochando do ‘Pinheirinho é nosso’ e rindo deles. Uma amiga de Aline levou balas de borracha na boca (...) o que mais dói é ver os filhos pedindo pra ir pra casa, fico sem ação.” (Aline, moradora do Pinheirinho, com marido e 3 filhos, 8, 5 e 2 anos)
“Estavam dormindo e foram atingidos com bombas e gás pimenta (possui uma bomba que caiu na casa e não foi deflagrada). Quando estava indo à Igreja foi surpreendida por 6 policiais do Choque que mandaram correr e dispararam bala de plástico nas costas (possui fragmento da bala). Sua esposa também foi agredida com um fragmento de bala ou bomba no nariz e teve uma reação alérgica com gás pimenta nos lábios e todo o rosto. O Helicóptero Águia despejou bomba no fundo do quintal, atingindo Iranil e seu filho de 2 anos que estava no colo. O filho de 6 anos apresentou quadro de vômito e trauma emocional de todo o processo. Perderam: todo mobiliário (cama de casal e de solteiro), armário, guarda-roupa, televisão, aparelho de TV a cabo (...) bicicletas, tanquinho, aparelho de DVD, prataria, louças, roupas, ferramentas, furadeira, réguas e a construção. Perda estimada? 16 mil reais (Iranil, com mulher e 3 filhos, de 6, 4 e 2 anos)
“Ele foi atrás da sogra de 60 anos que devia estar indo para a Igreja e levou três tiros de balas de borracha na perna esquerda. Os machucados estão inflamados, com pus.Atiraram de uma distãncia que não dava nem 5 metros”. (José Maria, morador, com mulher e filha de 11 anos)
“A neta está em estado de choque, por ter visto um nenê com a boca aberta por conta do gás de pimenta.O nenê não conseguia respirar. A neta é L, de 13 anos, que já sofria de problemas psiquiátricos antes da reintegração. Seus problemas se agravaram muito com o trauma do dia” (Lindaura, moradora, com 3 filhos maiores e 4 netos)
“Presenciou agentes da Tropa de Choque agredir uma criança de cerca de 9 anos próximo à Igreja Evangélica da rua 9. Não reconhece o agressor, mas diz que poderia reconhecer a vítima (criança, negra, desacompanhada, à procura dos pais)
O Relatório apresenta um quadro assustador da violência do ato de desocupação. Destacamos alguns pontos .
- Ameaças e humilhações: 260 denúncias
- Consequências do uso de armamentos: 248 denúncias
- Pouco tempo para recolher bens: 225 denúncias
- Casa demolida sem a respectiva retirada de bens: 205 denúncias
- Expulsão/ordem para sair de casa: 179 denúncias
- Agressão física – 166 denúncias
- Perda de emprego/impedimento de renda: 80 denúncias
- Dificuldade/impedimento de livre circulação: 77 denúncias
- Abrigos em situação de insalubridade: 73 denúncias
- Casas saqueadas: 71 denúncias
- Ameaças mediante armamentos: 67 denúncias
- Falta de orientação e de oferta de estrutura para retirar bens: 64 denúncias
- Falta de assistência: 54 denúncias
- Agressão/morticínio de animais: 33 denúncias
- Separação de filhos e outros parentes – 10 denúncias
Esse relatório apontou ainda o número de 1069 crianças e adolescentes nos 4 abrigos, observando o seguinte:
“Um dos efeitos imediatos da reintegração de posse e destruição do Pinheirinho foi a desinformação dos direitos das crianças e adolescentes à continuidade de seus vínculos com a escola e a creche. Nas primeiras duas semanas, o caos prevaleceu nos abrigos, dada a falta de informações sobre a garantia ou não de matrícula dos filhos e filhas nas escolas e creches
“a insegurança das famílias quanto à garantia de rematrícula das crianças e adolescentes na rede escolar de São José dos Campos, a perda de material escolar com a destruição das casas no processo de reintegração de posse, a falta de informações sobre as alternativas de transporte escolar e acesso dentro do calendário do ano escolar e as consequências psicológicas sobre as crianças e adolescentes das situações de violência vividas foram as principais queixas registradas...”
Ainda nos termos do relatório, a população do Pinheirinho era constituída de trabalhadores de baixa renda. De um total de 466 trabalhadores pesquisados sobre esse ponto (número que possibilita uma excelente amostragem), 402 tinham atividade remunerada. Destes, 55 eram pedreiros, 49 empregadas domésticas ou faxineiras, 45 eram pedreiros/ajudantes de ordem, 28 auxiliares de serviços gerais. Havia 197 trabalhadores com renda até 1 salário mínimo (cerca de U$ 317 dólares norte-americanos na época dos fatos) e 180 trabalhadores com renda até 2 salários-mínimos. Prejuízos na remuneração foram apontados por 470 pessoas.
2.1. A morte do morador Ivo Teles da Silva. Evidências de que a morte ocorreu em decorrência das agressões físicas praticadas por policiais militares durante a desocupação da comunidade.
O Sr. Ivo Teles da Silva contava com 69 anos e residia no Pinheirinho há 7 anos, com uma companheira.
No dia da desocupação Ivo Teles da Silva foi espancado pela polícia militar, sofrendo lesões em várias partes do corpo. Foi socorrido no Posto de Saúde do bairro e encaminhado ao Pronto Socorro do Hospital Municipal. Ficou desaparecido por mais de uma semana, apesar das insistentes tentativas de localização, por advogados, entidades de direitos humanos e amigos. A única resposta do serviço médico era que somente a Prefeitura poderia dar informações. E a prefeitura, por sua vez, negava haver efetuado qualquer atendimento à vítima.
Ele só seria encontrado cerca de dez dias depois no Hospital Municipal, outra unidade de saúde, já em estado de coma, e após ser submetido a procedimentos cirúrgicos.
O boletim de atendimento de urgência, embora solicitado pela Defensoria Pública e pelo CONDEPE, jamais foi apresentado.
O serviço público de saúde deu alta médica ao Sr. Ivo Teles da Silva, tendo sido encaminhado para a residência de sua filha, em Ilhéus-BA, de cadeira de rodas, pois ainda não andava ou falava. Ele viria a falecer dias depois, em 10.04.2012.
Embora não haja documentos oficias que atestem o nexo de causalidade entre as agressões praticadas pela polícia e a morte, há inúmeras evidências de que o seu falecimento se deu em decorrência dos fatos. As circunstâncias da morte ainda não foram esclarecidas, seguindo a sistemática sonegação de informação pela Prefeitura e demais órgãos da administração pública (Anexo 13 – Ivo Teles 1 e Anexo 14 – Ivo Teles 2).
2.2. Caso David Washington Furtado. Morador baleado durante a desocupação.
David foi baleado nas costas, próximo à medula óssea, quando protegia, com seu corpo, sua esposa, dos tiros de arma de fogo disparados pela guarda municipal.
Hoje, apesar da intervenção cirúrgica e tratamentos clínicos que ainda realiza, restaram sequelas nos membros inferiores que o tornaram parcialmente incapacitado. Um de suas pernas está se atrofiando e David Washington Furtado não recebe tratamento médico adequado.
Esse fato e os documentos que lhe comprovam estão amplamente registrados no relatório do CONDEPE (Anexo 12).
3. A situação das vítimas após a destruição do bairro
O Poder Público não tomou qualquer medida prévia para assegurar aos moradores desalojados condições mínimas de sobrevivência. Espantosamente, soube-se que a operação policial fora preparada durante 4 meses (Anexo 15 – Depoimento juíza Marcia Faria Mathey Loureiro).
Em nenhum momento desses 4 meses houve qualquer preocupação com o bem-estar dos moradores, obrigação elementar das autoridades, em especial do governador do Estado. Foram amontoados como animais, em abrigos públicos.
A conduta das autoridades limitou-se ao uso da força na ação policial. Tudo se resumiu a preparar violentamente o despejo das 6 mil pessoas, desprezando-se o direito dos moradores a um tratamento digno por parte do Estado.
Esse tratamento foi cruel e violador das mais elementares regras de humanidade e civilidade. Constituiu mais um capítulo da série de ofensas ao princípio da dignidade humana praticadas no episódio.
O relatório divulgado pela entidade não governamental Justiça Global (Anexo 16 – Relatório Justiça Global) assinala o seguinte:
As famílias despejadas foram levadas inicialmente a um centro de triagem situado numa quadra poliesportiva próxima à ocupação, e depois distribuídas por quatro abrigos diferentes, três organizados pela prefeitura e um pelo movimento social. No dia 25 de janeiro, as famílias abrigadas no local então coordenado pelo movimento social deixaram e tiveram que se deslocar a pé para outro abrigo, providenciado pela prefeitura, distante cerca de 4 km, no bairro Jardim Morumbi (grifo nosso).
Note-se: famílias foram obrigadas a caminhar a pé 4 km. Homens, mulheres, crianças, idosos e enfermos. Prossegue o relatório:
“Em todos os abrigos as condições sanitárias são precárias, o espaço insuficiente, o atendimento médico aos necessitados depende de voluntários. Em quase todos, os desabrigados são obrigados a usar pulseiras para suposto controle de entrada e saída, mas que, conforme narrado pelos desabrigados, acabam sendo um sinal de identificação que permitem agressões por parte da polícia fora dos abrigos”.
“No abrigo situado no CAIC, moradores acusam funcionários da prefeitura e o Conselho Tutelar de ameaçarem continuamente retirarem-lhe os filhos, e no dia 26 de janeiro pelo menos uma desabrigada não tinha informações nem acesso à sua neta que fora internada”.
“No mesmo abrigo, CAIC, desabrigados relatam que o local estava sujo com fezes de pombo no interior do alojamento onde as pessoas estão dormindo. Não há água no local, alguns moradores relatam que a comida servida está estragada e os desabrigados não estão sendo orientados quanto ao seu destino.”
“Luiz Alberto Ferreira Nunes declara que, além da falta de alimentação, foi inicialmente proibido entrar no abrigo pelo fato de ter passado das 23:00hs. Ele havia saído do mesmo para procurar alguma alimentação para sua esposa, que está grávida, e apenas conseguiu ingressar novamente no local após conversar com a polícia, assistentes sociais e explicar a situação.”
“Nos dias imediatamente posteriores ao despejo, funcionários da prefeitura abordaram desabrigados, oferecendo passagens para quem quisesse deixar a cidade para qualquer destino, inclusive para Estados do norte ou nordeste, o que foi interpretado como uma sugestão de que os moradores do Pinheirinho eram indesejados em São José dos Campos. Diante da fraca receptividade a essas propostas, ela cessaram.”
3.1 Condições atuais de moradia precária.
Na condição de desabrigados, sem roupas ou mesmo documentos, uma grande parcela dos moradores perdeu o emprego.
A maior parte das famílias esta recebendo o chamado aluguel social, de R$ 500,00. Com a distribuição do benefício, os aluguéis de residências simples, que já são habitualmente caros na cidade, aumentaram de tal forma que impedem o estabelecimento minimamente adequado das vítimas, obrigando a vida em condições precárias e muitas vezes insalubres.
Muitas famílias estão morando em um único cômodo, muitas vezes desprovido de janelas ou outros meios de ventilação. Outras dividem uma mesma casa. E algumas ainda se dirigiram para casas com construção condenada pela Defesa Civil.
A destruição de móveis e eletrodomésticos dificulta, ainda mais a condição precária de subsistência.
Muitas famílias tiveram que se deslocar para outras regiões da cidade, o que impede a frequência escolar, o atendimento no posto de saúde, mesmo para os idosos, deficientes e doentes, sem falar a dificuldade para o convívio com a comunidade a que estavam habituados.
A alteração do local de moradia dificulta a realização do trabalho daqueles que tem pouca remuneração, como os que fazem a reciclagem de lixo, pois tem que se deslocar de um lado a outro da cidade, custeando o transporte.
O aluguel social, portanto, é insuficiente às mínimas garantias de vida digna para a família. Seria necessário restabelecer uma moradia adequada, próxima ao antigo local, guarnecida dos móveis e equipamentos necessários. (Anexo 17 – Matéria Revista “ISTO É”)
4. A atuação do Poder Judiciário e dos Executivos do Estado de São Paulo e do Município de São José dos Campos.
Uma síntese da atuação do Poder Judiciário e das autoridades do Executivo no episódio encontra-se no relatório já mencionado da entidade Justiça Global (Anexo 15 e Anexo 18 - Reclamação CNJ), do qual nos valemos para a descrição do que segue.
Havia uma negociação em curso entre o Governo Federal, Estadual e Municipal para a celebração de um Protocolo de Intenções, visando regularizar a área e especificando as atribuições de cada esfera de governo.
A juíza Marcia Faria Mathey Loureiro, em entrevista que concedeu à programa televisivo, declarou que tinha ciência da negociação (anexo 15). No entanto, segundo suas próprias palavras, entendeu que tais negociações eram inócuas e estabeleceu, por sua própria conta, que deveriam ser desconsideradas e determinou a execução IMEDIATA da ordem judicial de despejo.
Já na madrugada de 17 de janeiro forças policiais se preparavam para executar o despejo. No entanto, às 4h20 da manhã, a juíza federal Roberta Monza Chiari deferiu liminar determinando às forças estaduais de segurança que não promovessem a reintegração de posse, reconhecendo o interesse da União em face da participação do governo federal no processo de regularização da área.
O interesse da União fixava a competência da Justiça Federal.
Na parte da tarde do mesmo dia, tal ordem foi suspensa pelo juiz federal Carlos Alberto Antonio Junior. No entanto, o Tribunal Regional Federal, por despacho do Desembargador Federal Antonio Cedenho, restabeleceu a ordem da juíza Roberta, no dia 19 de janeiro.
Assim, no dia dos fatos, 22 de janeiro, duas decisões impediam a desocupação: o acordo, já mencionado, no processo de falência da proprietária do imóvel, e a decisão da Justiça Federal confirmada pelo Tribunal Regional Federal.
No entanto, silenciosamente, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por seu presidente, que não tinha jurisdição sobre o caso por ser autoridade administrativa, a prefeitura de São José dos Campos e o governo estadual executaram a decisão, como narrado acima, nas condições descritas de inaceitável brutalidade e violência.
Deve ser notada a inusitada e peculiar atuação do presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Ivan Sartori, que determinou a presença de seu assessor, juiz Rodrigo Capez, no local do despejo, munido de um despacho determinando fosse desconsiderada a decisão do Tribunal Regional Federal e autorizando que fossem repelidas quaisquer ordens por parte de forças federais (Anexo 19 – Ofício Presidente do TJ-SP)
Buscou-se, até as ultimas instancias judiciais, a suspensão da ordem de reintegração. Entretanto, o Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por respaldar a competência da juíza estadual para as medidas ditas de urgência.
Mesmo que assim não fosse o ato já havia sido concretizado (com a demolição das casas e expulsão dos moradores), com natureza satisfativa e impossibilidade de retorno à situação anterior.
Assim, constata-se nos fatos uma grave anomalia no funcionamento das instituições públicas e dos mecanismos jurídicos e políticos do país. Ressaltem-se, para síntese, os seguintes aspectos:
(a) Os governos estadual e municipal, ao mesmo tempo em que participavam da negociação para elaboração do Protocolo de Intenções visando regularizar a área, prepararam e executaram, traiçoeiramente, em atitude inaceitável para quem exerce munus público, a remoção dos 6 mil moradores. Note-se que a operação policial foi preparada durante 4 meses, e evidentemente jamais teria sido realizada sem autorização do governador do Estado, Geraldo Alckmin. Esta autoridade participava, por sua Secretaria de Estado da Habitação, ao mesmo tempo, das negociações para regularizar o terreno e da preparação da operação de remoção abrupta dos moradores, executada pela força policial que comanda. Do mesmo modo se comportou o Prefeito Eduardo Pedrosa Cury, de São José dos Campos.
(b) A decisão da justiça estadual foi executada contra determinação expressa da Justiça Federal e desconsiderando o acordo firmado pelo síndico da massa falida, legítima representante legal da massa falida e titular da ação de reintegração de posse.
(c) O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo exorbitou de suas funções, determinando a execução da ordem judicial sem considerar a existência de um frontal conflito de competência entre as Justiças Estadual e Federal. Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, conflitos de competência dessa natureza somente podem ser dirimidos pelo Superior Tribunal de Justiça. Exerceu, dessa forma, atividade jurisdicional para a qual não detinha competência, o que é primário e trivial na estrutura jurídica do Brasil.
II. As violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e demais documentos
Os fatos descritos constituem violações a diversos dispositivos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como segue:
1.Direito à Integridade Pessoal - artigo 5.1: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral”
Retirada de surpresa, sem aviso prévio, de madrugada, de 6 mil pessoas que dormiam indefesas, incluindo crianças de todas as idades, idosos e enfermos, com o uso de força policial que praticou ainda inumeráveis atos de violências, significando indelével abalo psíquico e moral e ofensa ao direito à integridade física da pessoa humana, incluindo inevitáveis traumas psicológicos ou psíquicos a crianças .
Em situação semelhante de imposição de sofrimento e violação à integridade pessoal, já decidiu a Corte:
149. Remarcó la Comisión que por la época en que ocurrieron los hechos de este caso, los llamados “niños de la calle” eran sometidos a varias formas de “abusos y persecuciones” por parte de “agentes de determinadas fuerzas de seguridad” del Estado, circunstancia que ya había sido puesta de manifiesto por parte de esse organismo interamericano en varios de sus informes.
(...)
151. En sus alegatos finales la Comisión sostuvo que los cuatro jóvenes víctimas de tortura fueron retenidos e incomunicados, situación que por sí misma necesariamente produce “gran ansiedad y sufrimiento”.(Caso “Niños de la Calle” - Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala)
Colocação das pessoas em abrigos coletivos, desprovidos de qualquer conforto, em péssimas condições de higiene, em ambiente completamente insalubre. Conviviam nestes espaços idosos, crianças, jovens, deficientes físicos e inclusive doentes terminais jogados ao léu, dormindo no chão (vide anexo 06).
Os moradores do Pinheirinho, empilhados nos abrigos, dividiam estes espaços também com cachorros, pombos e até porcos (vide anexo 06).
Como é notório, mostra-se deveras desumano obrigar idosos de todas as idades, inclusive com mais de 80 anos, que buscavam apenas um espaço para ter privacidade, a permanecerem durante dias nestes abrigos coletivos, tendo como particular apenas um colchonete para dormir em meio a outras centenas de colchonetes espalhados pelo chão.
Os moradores da comunidade do Pinheirinho passavam o dia todo em volta do seu colchão, em meio ao barulho de um local dividido com muitos outros em situação idêntica.
Os idosos, assim como todas as pessoas, deixaram sob os escombros que restaram da realização do despejo mais que móveis e roupas. Deixaram seus sonhos e lembranças. Lembranças de uma vida toda foram soterradas, fotografias de parentes falecidos, vídeos de crianças que já cresceram, brinquedo que uma madrinha doou na infância, uma carta recebida há muito tempo, talvez na juventude. A caixa de recordações que toda família carrega, de fotos e lembranças recolhidas ao longo da vida, não mais existe.
Em síntese, além da destruição de bens cujo valor pode ser auferido (edificações, móveis, utensílios de uso doméstico etc), também foram destruídos, para sempre, bens imateriais, de valor moral e emocional inestimável.
A situação aqui retratada, particularmente no que diz respeito à vulnerabilidade, assemelha-se à apreciada pela Corte, no caso Comunidade indígena Yakye Axa Vs. Paraguay, sentença de 17 de junho de 2005:
‘50.108. La falta de garantía del derecho a la propiedad comunitaria ha ocasionado que los miembros de la Comunidad permanezcan con miedo, intranquilidad y preocupación. Esta situación los ha hecho vulnerables a las amenazas y hostigamientos por parte de terceros, que sumado a la falta de protección estatal, há provocado sentimientos de angustia e impotencia en los miembros de la Comunidad Yakye Axa.
50.109. Las graves condiciones de vida en que permanecen los miembros de la Comunidad que se encuentran asentados al costado de la carretera pública han ocasionado daños inmateriales a éstos.
50.110. Los miembros de la Comunidad Yakye Axa, en particular los niños y ancianos, han visto gravemente afectada su salud como consecuencia de las condiciones de vida en la que permanecen.”
2. Direito à Propriedade Privada – art. 21.1:“Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens”; art. 21.2: “Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei”.
As edificações em que residiam os moradores foram postas abaixo por máquinas, resultando na destruição dos bens móveis e utensílios pessoais de pessoas de baixa renda, privando-as do mínimo necessário para a continuidade de suas vidas. Todo o patrimônio adquirido ao longo da existência por aquelas pessoas foi destruído pelo Estado (Anexo 07 e demais vídeos).
3. Igualdade Perante a Lei - art. 24: “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei”.
No conflito de interesses entre um proprietário privado e moradores, foi privilegiado de forma absoluta o direito do proprietário, com total desconsideração pelos direitos de sobrevivência digna e, igualmente, pelo direito de propriedade dos moradores, que tiveram seus bens destruídos (Anexo 10).
4. Proteção Judicial – art. 25: “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”. Garantias Judiciais – Art. 8.1: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
A Constituição do Brasil dispõe que a República tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º., inciso III). Estabelece que é objetivo fundamental da República “erradicar a pobreza e a marginalização” (art. 3º., inciso III) e “promover o bem de todos”.
Os fatos aqui expostos demonstram que não há na legislação infraconstitucional mecanismo (“simples e rápido”, conforme o texto da Convenção) capaz de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição e pela Convenção, particularmente quando se trata de pessoas em situação de vulnerabilidade, como crianças, idosos ou enfermos, além da parcela da população de baixa renda, privada de condições de sobrevivência digna.
Viu-se o privilégio do direito de propriedade, o privilégio de interesses econômicos e patrimoniais de pessoas já em situação de vantagem social em detrimento da população marginalizada ou vulnerável. O Código Civil e o Código de Processo Civil estabelecem regras para defesa da posse, conferindo direito de reintegração no caso de esbulho. Estes dispositivos não fazem nenhuma distinção entre (i) casos em que há evidente interesse humano e social, com risco potencial ou iminente de prejuízo à vida, integridade física, dignidade e sobrevivência de pessoas vulneráveis, crianças, enfermos e idosos ou pessoas de baixa renda e marginalizados, e (ii) casos em que estão em jogo interesses exclusivamente econômicos ou patrimoniais. O resultado disso é que fatos semelhantes a estes ocorrem com freqüência.
A ausência desse mecanismo jurídico determinado pela Convenção tem sido responsável pela ocorrência de tragédias sociais e humanas. Prevalece a singela aplicação de regras patrimoniais que remontam ao Direito Romano, desconsiderando a moderna proteção à dignidade da pessoa humana e normas correlatas.
Resulta, portanto, que direitos fundamentais, em face da realidade social e econômica do país, como este caso ilustra, não contam com proteção judicial porque o sistema jurídico do país os desconsidera quando em confronto com os direitos de posse e propriedade. Inexistem normas e instrumentos judiciais que conciliem o direito à propriedade/posse com a sobrevivência básica de pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, de modo que o primeiro possa ser respeitado sem que se degrade a condição de vida dessas pessoas. Ressalte-se a peculiar proteção que o direito a um teto deve merecer: é básico para o exercício de outros direitos. Não há direito ao trabalho, à educação, à saúde, à integridade física, psíquica ou moral dos indivíduos em geral e à proteção das crianças, dos enfermos ou dos idosos, sem teto. A legislação ordinária contém recurso simples e rápido para a defesa da posse daqueles que não dão cumprimento à função social de suas propriedades e nenhum recurso simples e rápido para a defesa dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição, inclusive os que dizem respeito ao elementar direito de sobrevivência digna.
Aplicável ao caso, assim, o artigo XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, cujo objeto é o direito à justiça:
“Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridades que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente”.
Durante quase 8 anos os moradores da comunidade Pinheirinho litigaram em vão nos tribunais. Além da inutilidade dos recursos judiciais de que se valeram, viram-se desalojados sem aviso prévio por ação sorrateira das autoridades do Judiciário e do Executivo e viram-se sem proteção.
5. Desenvolvimento progressivo - Artigo 26: “Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.”
O que se presenciou no despejo do Pinheirinho foi verdadeira ação estatal de destruição de direitos individuais, econômicos, sociais e culturais. Os documentos oficiais, científicos, notícias e depoimentos trazidos a esta honorável Comissão apontam para a existência de uma comunidade urbana organizada e consolidada, inclusive, de acordo com as normas urbanísticas, e em plena interação com os poderes públicos locais. Um cenário onde 1.659 famílias estavam gozando de seus direitos, até o advento da ação estatal.
O despejo realizado constituiu-se em grande retrocesso em matéria de efetivação dos direitos humanos das famílias do Pinheirinho, que tiveram rompidos, de maneira violenta, seus vínculos com o direito à dignidade, moradia, educação, trabalho, saúde e lazer.
Analisando o caso do Pinheirinho em sua totalidade, observa-se que a ação de despejo representa uma opção deliberada dos poderes públicos pela via que vai em sentido oposto àquele orientado para o desenvolvimento progressivo dos direitos humanos, sobretudo em se tratando de um caso que reflete outras centenas de situações de conflitos sociais no interior do Estado brasileiro.
6. Violações aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) obriga os Estados a adotarem medidas para, entre outros, garantir o direito ao trabalho, saúde, educação, proteção da família, crianças, idosos e deficientes. Os fatos aqui narrados desnudam a não efetividade desses direitos no ordenamento brasileiro. As pessoas desalojadas estão privadas dessas garantias. Patente que inexistem normas, políticas públicas ou diretrizes governamentais que pudessem assegurar, antes ou depois dos fatos, o gozo desses direitos. Com isto, o Estado brasileiro desatende o artigo 2 do Protocolo de San Salvador, que assim dispõe: “Se o exercício dos direitos estabelecidos neste Protocolo ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Membros comprometem-se a adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições deste Protocolo, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos esses direitos”.
Registre-se, nesse aspecto, que os direitos humanos são indivísíveis. O direito à moradia é pré-requisito para o gozo dos direitos econômicos e sociais. Não há como se conceber o direito ao trabalho, à educação, à saúde, proteção das crianças, idosos e enfermos em uma situação em que a pessoa esteja desprovida de um teto. Programas habitacionais existentes estão muito longe de atender a esta necessidade básica, o que está na base de acontecimentos como os do Pinheirinho.
As vítimas das violações aqui noticiadas continuam sofrendo suas consequências. Muitas permanecem sem abrigo ou acolhidas de favor em condições desumanas, em parcos espaços cedidos por amigos ou parentes, com comprometimento do direito à sobrevivência digna, em especial do bem-estar de crianças, idosos, enfermos. O Estado omite-se, sem adotar as medidas para atender de imediato as necessidades básicas das vítimas.
III. Admissibilidade
Esta petição preenche os requisitos de admissibilidade estabelecidos pelos arts. 44, 46.1 ‘a’, ‘b’, ‘c’, ‘d’ e 46.2 ‘a’ e ‘b’, da Convenção.
As violações originaram-se de determinação do Poder Judiciário, tendo as vítimas interposto todos os recursos possíveis, desde o início da ação de reintegração de posse, em 2005, para evitar fossem desabrigadas. A desocupação, no entanto, deu-se sem aviso prévio e no momento em que a execução estava suspensa.
A determinação da Justiça Federal que impedia o ato foi descumprida por ato do chefe do Poder Judiciário do Estado de São Paulo.
As vítimas, desde 2005, ano em que foi apresentado à justiça o primeiro pedido de reintegração de posse, esgotaram todas as possibilidades de recursos judiciais aptos a evitar a execução do desalojamento. No momento da execução da ordem de despejo, havia determinação da Justiça Federal que impedia o ato e um recurso de agravo em trâmite no Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja decisão, que tinha o condão de suspender a desocupação, foi protelada e permanece até hoje em aberto (Anexo 18 – Reclamação ao CNJ).
No âmbito da responsabilização penal dos responsáveis diretos e indiretos pelas violações aqui apontadas, cabe mencionar que não tramitam procedimentos investigativos ou judiciais aptos para a apuração e punição das autoridades mencionadas, permanecendo inerte inclusive o Ministério Público. Considerando o peso funcional dos responsáveis pelas violações e o histórico de impunidade no país, entende-se que nenhuma medida de investigação que venha a ser proposta será eficaz para determinar sanções.
Nesse sentido veja-se comunicado do Tribunal de Justiça de São Paulo, assumindo responsabilidade pelo episódio (Anexo 21 - Comunicado Tribunal de Justiça de São Paulo):
“Tendo em vista o noticiário sobre o episódio do Pinheirinho, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo informa:
1 – Toda mobilização policial na data de 22/1/12 se deu por conta e responsabilidade da Presidência do Tribunal de Justiça, objetivando o cumprimento de ordem judicial;
2 – O efetivo da Polícia Militar em operação esteve sob o comando da Presidência do Tribunal de Justiça até o cumprimento da ordem;
3 – O Executivo do Estado, como era dever constitucional seu, limitou-se à cessão do efetivo requisitado pelo Tribunal de Justiça”.
Já é do conhecimento do Sistema Interamericano a patente morosidade dos procedimentos judiciais internos. Assim, por exemplo, como no caso do Parque São Lucas (Relatório N° 40/03 - caso 10.301 - 42° Distrito Policial - Brasil, ocasião em que foi observado pela peticionaria e acatado pelo relatório que:
“22. A parte peticionária, por sua vez, alegou a ineficácia dos recursos da jurisdição interna e a demora injustificada na tramitação dos casos contra os responsáveis pelos fatos ocorridos no 42° Distrito Policial, bem como a aplicação da exceção prevista no artigo 46.2, da Convenção. Alegou, ainda, que o argumento do Governo no sentido de que a denúncia fora apresentada demasiadamente rápido, não tendo havido tempo para que se desse andamento aos processos da jurisdição interna poderia ter sido válido em 1989, não procedendo contudo atualmente. Isto, porque já se passaram mais de seis anos desde que os processos judiciais iniciaram-se, sem que tenha sido proferida uma decisão definitiva a respeito, em especial no tocante aos processos que tramitam na Justiça Militar.”
Note-se também que as circunstâncias do caso impõem a necessidade de invocar a ação internacional porque “os recursos da jurisdição interna e o próprio sistema jurídico interno não são efetivos para assegurar o respeito aos direitos humanos das vítimas” (cf. Relatório 40/03 da CIDH). Isto vincula-se à violação do Direito à Proteção Judicial, previsto no artigo 25 da Convenção Interamericana.
Os fatos narrados nessa petição, ensejadores de múltiplas violações de direitos humanos reconhecidos em documentos internacionais, não foram submetidos à apreciação de nenhuma outra instância internacional de direitos Humanos.
IV. Responsabilizações e Reparações
Pedem os requerentes que:
- O Estado brasileiro seja declarado responsável pela violação dos artigos 5.1, 21.1, 21.2, 24, 25, 8.1, 26 da Convenção, artigo XVIII, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e artigo 2º do Protocolo Adicional (DESC).
- O Estado brasileiro adote as medidas legislativas necessárias, como a reforma de dispositivos do Código Civil e Código de Processo Civil relativos à posse, ao lado de políticas públicas, visando proteger direitos fundamentais de pessoas em situação de vulnerabilidade por condições pessoais, sociais ou econômicas, particularmente impedindo que sejam privados de condições mínimas e dignas de sobrevivência em litígios de posse.
- O Estado brasileiro adote medidas legislativas para instituir mecanismo judicial (semelhante ao recurso de amparo) destinado a evitar, de modo simples e rápido, flagrantes violações de direitos humanos como as ora expostas, tendo em vista a inexistência de instrumentos jurídicos no direito interno, aptos a à proteção dos direitos violados, como mencionado no artigo 31, 2, a, do Regulamento da CIDH.
- Recomende-se a regulamentação normativa dos procedimentos judiciais e policiais relativos à realização de despejos em conflitos fundiários, nos moldes do Comentário Geral n. 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas, e das Resoluções nº 87 e 98 do Conselho das Cidades, do Ministério das Cidades do Governo Federal brasileiro.
- O Estado brasileiro indenize os danos morais e materiais, de forma justa e compensatória, todas as pessoas desalojadas da comunidade Pinheirinho em decorrência dos fatos ocorridos no dia 22 de janeiro de 2012 na cidade de São José dos Campos, bem como garanta a efetivação dos seus direitos à moradia adequada.
- O Estado brasileiro apure responsabilidades civis e penais e puna os responsáveis pelos fatos ocorridos no dia 22 de janeiro de 2012 na cidade de São José dos Campos, em todos os níveis, anotando apenas que no plano estritamente funcional tramita perante o Conselho Nacional de Justiça procedimento disciplinar (Anexo 18), requerido por alguns dos peticionários desta denúncia, e que é o único instrumento de responsabilização ao alcance do cidadão comum.
- Recomende-se ao Estado brasileiro que faça publicar em veículo de comunicação de grande circulação o Relatório a ser emitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e dê ciência aos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo.
- Recomende-se que o Estado realize um processo de reforma das instituições do sistema de segurança pública, admitindo o seu caráter de justiça transicional, de modo a reorientar o sistema de segurança pública brasileiro para a garantia e respeito aos direitos humanos, sobretudo em situações de conflitos fundiários de natureza reivindicatória de direitos.
- Recomende-se que o Estado, como meio de reparação simbólica, realize pedido formal de desculpas aos moradores da comunidade do Pinheirinho.
- A submissão do caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos caso não haja adequada solução.
V. Relação das Vítimas
Qualificação de 489 vítimas.
A listagem acima, contendo a qualificação de 489 vítimas, não é exaustiva uma vez que o local contava com a presença de cerca de 6 mil moradores. Posteriormente será informada a Comissão a qualificação de outras pessoas que tiveram direitos humanos violados.
VI. Provas e Testemunhas
Provas
Sumários dos documentos anexos
Anexo 01 - Relato Antropólogo
Anexo 02 - Despacho Juiz Beethoven
Anexo 03 - Boletim AJD
Anexo 04 – Petição de acordo da suspensão do despejo
Anexo 05 – Relatório Oficial do Senador Suplicy
Anexo 06 – Fotografias
Anexo 07 - Vídeo despejo e violências
Anexo 08 - Vídeo - Repórter se emociona no Pinheirinho em SJC
Anexo 09 - Vídeo - Pinheirinho perdi tudo
Anexo 10 - Vídeo - Reintegração de Posse volta para a massa falida
Anexo 11 - Vídeo - Audiência Pública Sobre o Pinheirinho - Defensor Jairo
Anexo 12 - Relatório Condepe
Anexo 13 - Ivo Teles 1
Anexo 14 - Ivo Teles 2 - documentos médicos
Anexo 15 – Depoimento Juíza Márcia Loureiro
Anexo 16 - Relatório Justiça Global
Anexo 17 – Matéria Revista ISTO É
Anexo 18 - RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR AO CNJ
Anexo 19 – Ofício Presidente do TJ-SP
Anexo 20 - Manifesto pela denúncia do caso pinheirinho à CIDH
Anexo 21 - Comunicado Tribunal de Justiça de São Paulo
Testemunhas:
- Eduardo Matarazzo Suplicy, brasileiro, Senador da República Federativa do Brasil, Senado Federal, Praça dos Três Poderes, Edifício Principal, Ala Senador Dinarte Mariz, Gabinete 2, Brasília, Distrito Federal, Brasil.
- Adriano Diogo, brasileiro, geólogo, Deputado Estadual por São Paulo, Rua Peixoto Gomide, 596 - 196B, São Paulo, São Paulo, Brasil.
- Aristeu Cesar Pinto Neto, brasileiro, advogado, Rua Eugenio Bonadio, 120 Ap.92 Centro, São José dos Campos, São Paulo, Brasil.
- Fausta Camilo de Fernandes, brasileira, Oficial de Justiça, Rua Merimar Barbosa, 203, Jardim das Nações, Taubaté, São Paulo, Brasil.
- Lucia de Fátima Rodrigues Gonçalves, brasileira, jornalista, Rua Padre Raimundo da Silva, 65, Vila Califórnia, São Paulo, São Paulo, Brasil.
- Antonio Donizete Ferreira, brasileiro, advogado, Rua Cabo Frio 391 Jardim Satélite, São José dos Campos, São Paulo, Brasil.
- José Maria de Almeida, brasileiro, metalúrgico, Avenida Professor Alfonso Boveiro, 546 Ap -404, Sumaré, São Paulo, São Paulo, Brasil.
- Jairo Salvador Souza, brasileiro, Defensor Público, Avenida Comendador Vicente de Paulo Penido, n.532 - Jardim Aquarius Sao José dos Campos, São Paulo, Brasil
São Paulo, Brasil, 21 de junho de 2012.
Assinam os peticionários:
Valdir Martins de Souza
Associação por Moradia e Direitos Sociais Aton Fon Filho
Rede Social de Justiça e de Direitos Humanos
Marcio Sotelo Felippe
Carlos Alberto Duarte
Sindicato dos Advogados de São Paulo
Fabio Konder Comparato
Celso Antonio Bandeira de Mello
José Geraldo de Sousa Junior
Cezar Britto
Antonio Donizete Ferreira
Dalmo de Abreu Dallari
Giane Ambrósio Álvares
Nicia Bosco
Camila Gomes de Lima
Aristeu Cesar Pinto Neto
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Um recado para você que é candidato (a):
Esse texto (orientações)foi escrito pela
companheira Mariane, de Santa Catarina, na qual recebi pela lista do Diretório
Estadual do PSOL. O texto é brilhante e deve servir de guia para todos os
candidatos e candidatas que ainda não entenderam a importância da mulher na
sociedade ou que reproduzem, consciente ou inconscientemente, o machismo existente
na sociedade capitalista.
Um
recado para você que é candidato (a):
1. 1. Mulher não é minoria! Tratando as mulheres como minoria você reproduz uma visão tradicional do mundo dominado pelos homens;
2, De cada três brasileiros que saem para trabalhar fora,
uma é mulher. Elas são mais de 40% da propulação que trabalha fora. Lembre-se
disso quando você for falar na classe trabalhadora;
3.
A dona de casa também é uma trabalhadora. Sua jornada
diária de trabalho é três ou quatro horas mais longa que a de um trabalhador
comum. Além disso, ela é responsável pela produção e manutenção de um serviço
que muitas vezes não é valorizado: as necessidades básicas para a família,
saúde, educação, alimentação, higiene e lazer;
4.
A violência e o abuso do corpo da mulher é um aspecto
central da opressão vivida por elas. Não use o corpo da mulher como material de
propaganda!;
5.
Tratar as mulheres como seres incapazes, que não tem
como decidir sobre sua própria vida é uma forma de mantê-las oprimidas. Nessa
visão de opressão só vale a palavra do pai, do marido, do chefe, do namorado,
do companheiro;
6.
As mulheres não devem ser vistas apenas como mâes.
Alias, muitas não são e nem serão mães. São seres integrais com vontades,
direitos, interesses, aspirações de vida e profissionais distintas;
7.
Cuidar dos filhos NÃO é obrigação das mulheres.A
educação das crianças é responsabilidade do pai e da mãe, do estado e da
sociedade;
8.
As questões das mulheres são questões sociais. Lutar
pelas reivindicações das mulheres é também lutar por uma sociedade justa,
democrática e igualitária;
9.
A linguagem expressa muitas vezes os preconceitos e
discriminações. Fale para mulheres e homens, para negros e brancos;
10.
Você não precisa usar linguagem e expressões machistas
para ser popular.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Abusos contra os pobres
Por PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO
Uma
lei necessária: ao decidir por despejo, o juiz tem de mostrar que os sem-terra
têm onde ficar. O Executivo tem de dar transporte até esse lugar
Refletindo a condição de classe da maioria dos
integrantes da magistratura, os mandados de despejo contra famílias sem-teto
que ocupam áreas ociosas, a fim de conseguir um lugar para viver, são
invariavelmente decididos a favor dos proprietários.
Não têm esses juízes a menor consideração com o
direito dos ocupantes, que é garantido pela Constituição Federal.
Não se preocupam minimamente em saber se os
requerentes possuem títulos que comprovem a propriedade do imóvel ocupado.
Menos ainda se preocupam com o destino das famílias despejadas, que, não tendo
para onde ir, ocupam outro imóvel ou acampam na beira das estradas. Uma
vergonha nacional.
Pessoas de consciência estão lançando uma
campanha de assinaturas para embasar um projeto de lei de iniciativa popular
que exija dos juízes a comprovação de que os despejados têm lugar para ficar e
de que o Executivo colocou meio de transporte adequado para que a ele se
dirijam. É possível saber mais no sitewww.correiocidadania.com.br.
É raro, contudo, juiz que, excedendo-se no desejo
de agradar os proprietários, chegue ao cumulo de processar os organizadores das
ocupações. Mas esse é o caso de uma juíza de Embu das Artes.
Ela condenou um dos organizadores da ocupação,
Guilherme Boulos, a pagar multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento da ordem
de despejo. Foi ainda além: determinou à autoridade policial a abertura de
procedimento criminal contra o referido senhor pelo crime de ameaça à sua
integridade física.
Não houve, contudo, qualquer palavra dita por
Guilherme Boulos ou outro dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, em
publico ou em particular, que contivesse qualquer ameaça à magistrada. Menos
ainda qualquer gesto ameaçador, até porque em nenhum momento eles se avistaram.
Isso não impediu que a magistrada fosse à
imprensa, colocando-se como ameaçada, supostamente por cumprir seu dever.
Pretendeu, com isso, confundir a opinião pública,
ao associar o movimento social a atos criminosos contra autoridades judiciais,
tal como ocorreu no ano passado, com o assassinato da juíza Patrícia Acioli, no
Rio de Janeiro. Não cabe qualquer paralelo entre os casos.
Há uma possível explicação para a sentença
absurda, que define o movimento social como "criminoso" e
"guerrilheiro": a requerente da ação de despejo em questão é irmã de
uma escrevente na vara da magistrada.
A CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional
e Urbano) representou contra a magistrada junto à Corregedoria da Justiça por
abuso de autoridade e demora em se posicionar nesse caso.
Aliás, a CDHU e a prefeitura municipal defendem a
implementação de programa habitacional na referida área, para o atendimento das
famílias sem-teto da região.
Comportamentos abusivos precisam ser punidos pelo
Conselho Superior da Magistratura. Fica aqui a denúncia. Esperemos pela
resposta.
PLÍNIO DE
ARRUDA SAMPAIO, 81, advogado, foi
deputado federal pelo PT-SP (1985-1991), consultor da FAO (Organização da ONU
para a Agricultura e a Alimentação) e candidato a presidente pelo PSOL
Wagner Eckstein é obrigado a retirar candidatura para apoiar o candidato de Evilásio
Por José Afonso da Silva
A decisão inegociável da Direção Nacional do PT em exigir que o
partido apóie a candidatura de José Aprígio/PSB em Taboão da Serra, colocou os militantes, simpatizantes e
candidatos em estado de catarse.
A decepção e angústia são enormes. Após mais de seis meses insistindo
em candidatura própria, onde o nome do vereador Wagner Eckstein era apresentado como uma dissidência político programática
ao governo de Evilásio cai por terra depois de uma decisão tomada contra a vontade
e a revelia dos filiados.
O messianismo pragmático da direção nacional do PT, leia-se de Lula, em eleger Fernando
Haddad em São Paulo e evitar possíveis adversários de Dilma em 2014, faz com
que o PT se alie com Maluf e retire
candidaturas do partido em dezenas de municípios como Taboão e Itapecerica
da Serra.
Apesar das negativas iniciais e a
disposição de lutar nas instâncias partidárias ( direção estadual e nacional), foram
sucumbidas pelas possibilidades remotas de reverter tal decisão.
Neste momento, o PT de Taboão
discute abertamente a indicação do vice
de José Aprígio/PSB. A prioridade,
segundo a imprensa, seria Wagner
Eckstein, mas este pelo desgaste
gerado, dificilmente aceitará ser vice na chapa do PSB. Fala-se inclusive
que o grau de desgaste faria com que Wagner
Eckstein sequer seja candidato a vereador.
A outra possibilidade de indicação de vice é a do presidente da Câmara, o vereador José Macário. Pra quem
não se lembra, José Macário, quando da discussão do aumento no salário dos vereadores, pronunciou a célebre frase que
indignou a todos: “Político tem que ganhar bem para que seja honesto com o povo de sua
cidade”. Após citar essa frase em uma sessão da câmara municipal, Macário
sequer se deu ao trabalho de se retratar
ou fazer uma autocrítica.
José Aprígio, candidato do prefeito Evilásio, responsável por
colocar Taboão da Serra no mapa como um
dos municípios mais corruptos do país, ter José Macário como vice é escancarar que esses senhores nada aprenderam com os escândalos de
corrupção ocorridos em 2011 e que
estão lixando para o que pensa e sente a população.
Essa é uma chapa que ao invés de
somar, divide ainda mais a já naufragada campanha do governo.
Cidade das imobiliárias e das empreiteiras
Os sucessivos governos de Taboão da Serra, nada mais foram que governos a serviço
das empreiteiras, das imobiliárias e das “pequenas” construtoras e a câmara
municipal está repleta de representantes desse setor.
Para Evilásio, nada é mais legítimo
que o próximo prefeito indicado por ele seja um empreiteiro. Ao invés de
continuar tendo capachos das empreiteiras a frente do governo é melhor ter um
legítimo representante do setor.
Esse setor financia candidatos a presidente, governadores, prefeitos,
senadores, deputados e vereadores, depois cobra a fatura com superfaturamento
de obras e concessões governamentais.
Esse setor age por fora da lei
corrompendo os políticos, alterando os Planos Diretores a seu bel prazer e
estabelecendo prioridades distantes dos interesses da maioria da população.
Os planos governamentais para construção de moradia popular, a exemplo
do Minha Casa Minha Vida, esbarram na especulação imobiliária e na
subserviência de prefeitos e vereadores.
Em Taboão, por exemplo, as empreiteiras querem avançar para as poucas áreas
que restam, inclusive as de preservação ambiental. Não foi por acaso que os
vereadores aprovaram a alteração ilegal no Plano Diretor.
O poder das empreiteiras no município chega ao ponto de financiar
advogados para defender políticos envolvidos em escândalos de corrupção, como
no caso da Etama que, de acordo com a Folha de São Paulo, pagou mais de 700 mil
reais por um habeas corpus.
Wagner Eckstein e o PT não entederam ou fingiram que não entenderam esse
jogo.
Os taboanenses
tem uma alternativa de luta e socialista nas eleições
Enquanto a candidatura do governo Evilásio aprofunda sua crise, o
candidato tucano assiste de camarote a ruína de seu adversário.
No entanto, as diferenças políticas, programáticas e propostas são exatamente
as mesmas: administrar para os ricos, empreiteiras, imobiliárias em detrimento da
população mais pobre, do funcionalismo municipal e dos serviços públicos.
Mas nem tudo está perdido!. Felizmente, existe o PSOL em Taboão da Serra
e o companheiro Stan Szermeta é o único candidato capaz de fazer frente à
candidatura tucana com credibilidade e por sua ligação estreita com as lutas
contra o aumento do IPTU, contra a corrupção, em defesa das reivindicações das
ADIs e do funcionalismo, contra o aumento da passagem de ônibus e pela defesa
da moradia.
Stan é o único candidato capaz de
derrotar o PSDB nas ruas e nas urnas.
terça-feira, 26 de junho de 2012
Problemas para a economia brasileira
Por Marcus Kollbrunner - 24 de junho de 2012
Durante a última década, o Brasil tem se qualificado para o
grupo de países que representavam a “esperança” para a economia mundial – os
BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Esses países “emergentes” seriam o novo
motor para a economia mundial, em uma situação onde as antigas potências não
tinham o mesmo fôlego.
Apesar da economia brasileira também ter sofrido com a
eclosão da crise mundial em 2008, a sensação foi de que, com a intervenção do
governo de Lula, e depois Dilma, o pior foi evitado e o país retomaria um
crescimento acelerado. Após a queda do PIB de 0,3% em 2009, houve uma retomada
em 2010, com um crescimento de 7,5%.
O governo do PT usou esse fato ao máximo durante as
eleições 2010, para mostrar que o país mudou, que a política do governo foi
bem-sucedida e que o Brasil agora é uma nova potência mundial. Mas apesar de
alguns avanços, as debilidades da economia brasileira começam a se revelar e os
efeitos da crise estão ficando cada vez mais evidentes.
Crescimento para quem
Primeiro, é importante resgatar os limites da “redução
da pobreza” e “distribuição de renda”. Houve sim uma melhora da situação das
camadas com renda mais baixa nessa última década. O aumento do salário mínimo
tem elevado a renda daqueles com salários mais baixos, e políticas
compensatórias como a bolsa família também tiveram um efeito.
Mas o que ocorreu foi principalmente uma redistribuição
de renda entre os assalariados, já que trabalhadores com salários num patamar
maior, especialmente o funcionalismo público, têm sofrido uma política de
arrocho salarial durante anos.
Porém, na relação entre trabalho e capital não vimos
nenhuma redistribuição. Pelo contrário, os lucros bateram recordes e os mais
ricos ficaram mais ricos ainda, com um brasileiro, Eike Batista, se
qualificando entre os 10 mais ricos do mundo. Em 2011, entre as maiores economias,
o Brasil foi o país onde houve o maior crescimento percentual do número de
milionários.
A base do crescimento da última década
A indústria brasileira passou por duas décadas de baixo
crescimento. Entre 1981-2003 o crescimento anual era de só 1,4%. De 2004 até
2010, o crescimento anual deu um salto para 5%. O principal motor por trás
desse crescimento tem sido o avanço das exportações de matérias primas,
principalmente para a China.
Em uma década (2001 a 2011) o volume de comércio do
Brasil com a China cresceu de US$ 3,2 bilhões para US$ 77,1 bilhões. Mas 85%
das exportações para China são de produtos básicos, principalmente minério de
ferro, soja, petróleo e celulose.
Isso tem ocorrido em detrimento do resto da indústria.
Em 2011 a parcela da indústria de transformação do PIB retrocedeu para 14,6%,
voltando ao patamar dos meados dos anos 50.
No cenário favorável dos anos 2000, antes da crise, o
Brasil conseguia chegar a um crescimento de cerca de 5% anuais. Junto com as
políticas compensatórias e aumento do salário mínimo, diminuição do desemprego,
aumento da formalização e um aumento do crédito, isso favoreceu um crescimento
do consumo.
Mas o motor industrial da economia brasileira não
acompanhava esse crescimento. Ao contrário. Se juntarmos o crescimento
relativamente estável com os juros mais altos no mundo, e uma abundancia de
capital especulativo no mundo, o Brasil começou a ter um influxo de dólares que
valorizou o real. Isso tem elevado o preço das mercadorias industriais
brasileiras se comparado com outros países, principalmente China.
A lógica que se autoalimentava era que o Brasil
exportava matérias primas para China e importava produtos industrializados, em
detrimento da indústria doméstica.
A política do governo em 2008
Quando a crise estourou em 2008, o Brasil não chegou a
ser tão afetado como outros países. Um fator foi que não tivemos nenhuma crise
bancária mais grave (já que os bancos já tinham passado por uma crise e
restruturação nos anos 90 e também estavam bem gordos aproveitando os altos
juros) e também nenhuma fuga de capital. O governo abriu as torneiras do
crédito e estimulou o consumo com redução de impostos. Isso, junto com um
aumento real das exportações para a China, garantiu a retomada da economia.
Essa foi uma situação totalmente diferente da crise em
1999, quando houve fuga de capital e o real despencou.
Mas em 2011 podíamos ver as contradições da economia. O
real voltou a se valorizar, com o influxo de dólares, e chegou quase a bater o
recorde de 2008, chegando a 1,60 reais por um dólar. Isso afetava a indústria,
que começou a estagnar, mesmo com o aumento do consumo, ao mesmo tempo que a
inflação estava acelerando e chegou a superar 7%. O governo respondeu puxando o
freio, aumentando os juros e implementando medidas para dificultar a entrada de
dólares.
O resultado foi que o PIB de 2011 só cresceu 2,7%,
longe da meta de 4,5% do governo. O fato é que o Brasil teve o crescimento mais
baixo da América do Sul no ano passado. Desde os meados do ano passado a
economia tem estado quase estagnada. O desempenho da indústria e os
investimentos continuaram fracos.
No início desse ano começamos a ver como o agravamento
da crise na Europa e a desaceleração da China começaram a afetar a economia
brasileira.
Em pouco tempo a situação cambial mudou. Em março esse
ano o governo ainda implementava medidas para conter a entrada de dólares, o
que a presidenta Dilma chamava de “tsunami financeiro”. Mas em maio houve um
fluxo de dólares saindo do país e o real já perdeu quase 30 % do seu valor comparado
ao dólar desde junho do ano passado. Isso não tem ajudado a indústria nacional,
já que a principal concorrente, a indústria chinesa, ainda é mais barata. Além
disso, as empresas começaram novamente reclamar das dificuldades de obter
crédito no exterior, algo que tinha ficado mais caro com as medidas do governo.
Repetindo a dose de 2008
O ano de 2012 começou como o ano passado terminou. O
PIB cresceu somente 0,2% no primeiro trimestre. O governo ainda mantém a meta
de um crescimento de 4% para esse ano, mas isso só seria possível com uma forte
retomada no segundo semestre e poucos acreditam nisso. Na verdade, muitos
acreditam que o resultado será pior que em 2011. A média das previsões do
mercado para o PIB de 2012 caiu para 2,3%. O banco Credit Suisse aposta num
crescimento de somente 1,5%. Além do fraco desempenho para a indústria, o banco
aponta que os investimentos só devem crescer 0,3% esse ano.
O governo Dilma agora tenta retomar as medidas de 2008:
incentivo ao consumo com redução de impostos e dos juros, e aumento no crédito,
especialmente para os investimentos em grandes obras. O governo também começou
a revogar as medidas que dificultava a entrada de dólares.
A redução de impostos como IPI ajudam no consumo de
certas mercadorias. Eletrodomésticos e materiais de construção continuam em
alta. O IPI para automóveis foi reduzindo novamente, diante uma situação em que
as montadoras estavam com seu estoques cheios e já reduziam a produção, com
férias coletivas. A GM lançou um programa de demissão voluntária. Com a redução
do IPI e dos juros, as montadoras estão apostando numa retomada das vendas. Os
carros ficaram 2,6% mais baratos no último mês, a maior queda de preço desde
2008.
Endividamento impõe limites ao consumo
Mas o efeito deve ser mais limitado que em 2008. O
endividamento e inadimplência têm aumentado, o que limita a capacidade das
famílias a aumentar o seu consumo baseado no crédito.
A taxa de crédito/PIB tem aumentado constantemente na
última década. Em 2002 o total do crédito privado correspondia 22% do PIB. No
início de 2012 tinha crescido para 49,3% do PIB. Embora isso ainda seja um
nível relativamente baixo comparado com o resto do mundo, temos que levar em
conta os juros altíssimos.
Em março desse ano, 22,3% da renda familiar no país
estava comprometido com pagamento de dívidas, comparado com 15,5% em janeiro
2005. Esse patamar é superior ao de, por exemplo, os EUA, onde o endividamento
é visto como um entrave para a retomada do consumo.
Apesar do desemprego estar num patamar baixo
historicamente (5,8% em maio nas 6 grandes regiões metropolitanas, segundo o
levantamento do IBGE) a inadimplência já vem crescendo e estava em maio 21,4%
acima do mesmo mês em 2011. Imaginem o que pode acontecer se o desemprego
começar a subir.
A inadimplência de veículos bateu recorde histórico em
abril. O calote nos cartões de crédito, a principal forma de endividamento no
país (responsável por 32% das dívidas de pessoas físicas), também está em alta.
27% estão com pelo menos 90 dias de atraso no pagamento dos cartões. Apesar do
alarde sobre o rebaixamento dos juros dos bancos, isso só tem afetado algumas
linhas de crédito mais seguras, as quais muitos não têm acesso. Os juros dos
cartões de crédito permanecem no mesmo patamar há mais de dois anos: 10,69% ao
mês. Os juros médios estão no nível mais baixo desde 1995, mais ainda estão em
6,18% ao mês, o que em muitos países se paga ao ano!
Não é a toa que a parcela da população que dizem ter
menos vontade de comprar casa ou carro comparado com 6 meses atrás aumentou
para 40%.
Os investimentos públicos também têm seus limites. Se
descontarmos a corrupção e burocracia que os tornam muito ineficientes, também
temos que levar em conta que 90% dos investimentos no país vêm do setor
privado, que não quer investir. O governo federal só faz 3% e os estados e
municípios, os restantes 7%.
O Brasil ainda é vulnerável a choques externos
Apesar da propaganda oficial, o Brasil ainda tem uma
economia bastante vulnerável. Muito se fala da grande reserva cambial sob posse
do Banco Central, que ultrapassa US$370 bilhões.
Embora essa reserva dê um certo fôlego, existe fatores
complicadores. A reserva tem crescido muito pelo fato que o Banco Central tem
sido forçado a absorver o grande influxo de dólares para evitar que o real se
valorize mais ainda. É um negócio ruim, já que esses dólares são investidos em
grande parte em títulos estadunidenses, que rendem muito pouco e pagos com
títulos da dívida pública brasileira, que pagam juros altos. É como sacar
dinheiro no cartão de crédito para investir na poupança.
Ao contrário da China, esse acúmulo de capital não é
devido um superávit constante com o resto do mundo. Embora o Brasil tenha um
superávit comercial (exporta mais do que importa), e esse vem caindo com os
problemas da indústria e a desaceleração na China, se levarmos em conta o
balanço de pagamentos da conta corrente (incluindo pagamento de juros, remessa
de lucros, turismo, etc.) o país tem um déficit crescente há anos. Isso só se
sustenta por causa do influxo de capital especulativo (os dólares).
Temos um crescente chamado “passivo externo”. Isso é a
quantidade de dinheiro que tem no país que pertence a estrangeiros. Há uma
parte que está investida em capital fixo, como fábricas, minas, etc., e não
saem do lugar facilmente. Mas a maioria é investido em títulos, ações e outras
aplicações financeiras que podem ser retiradas rapidamente do país. Esse
“passivo externo” cresceu de US$ 343 bilhões em 2002 para US$ 1,294 trilhão
agora. Se houver uma fuga de capital, a reserva do Banco Central não vai ser
mais do que moeda de troco para facilitar essa fuga!
Além disso, e também apesar da propaganda oficial, a
dívida pública continua sendo um enorme problema, que absorve enormes recursos.
A dívida pública real ultrapassou 3 trilhões de reais no final do ano passado,
segundo dados oficiais coletados pela Auditoria Cidadã da Dívida, equivalendo a
78% do PIB. No orçamento federal desse ano, 47% está destinado ao pagamento de
juros, amortizações e rolagem da dívida – 1,014 trilhão! Isso significa que a
dívida pública consome 22% do PIB, em prol dos tubarões do sistema financeiro
internacional e doméstico.
Aumento da luta de classes
Tudo isso aponta que temos de nos preparar para um
período turbulento à frente. A pesar da propaganda ufanista do “país de mil
maravilhas”, vemos como os governos se preparam para mais conflitos sociais.
Não é a toa o crescimento da criminalização dos movimentos e lutas. Cada vez
mais vemos como o direito a greve é atacado.
Já vimos também um crescimento significativo das lutas
e greve nos últimos dois anos, como no setor privado, por parte dos
trabalhadores que querem a sua parte dos superlucros e do crescimento. Muitos
lutam pelos direitos mais básicos: trabalhadores nas obras do PAC se revoltam
por falta de banheiros, ou pelo direito de visitar sua família pelo menos a
cada três meses. Mas também no funcionalismo vemos um aumento das lutas, contra
o arrocho salarial, contra o sucateamento dos serviços públicos, como as greves
das universidades federais.
Mas essas lutas ainda são bastante fragmentadas e a esquerda
ainda não tem conseguido construir instrumentos unitários suficientemente
poderosos para conseguir romper o domínio dos aparatos governistas, como a CUT,
Força Sindical ou a UNE. Isso, junto com a necessidade da construção de uma
alternativa política socialista coerente, onde o PSOL é uma ferramenta
importante mas ainda bastante incipiente – é a grande tarefa dos socialistas
para se prepararem para as grandes batalhas, como já vemos em países da Europa
ou mesmo na América Latina, que podem chegar ao nosso país mais cedo do que
muitos pensam
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