quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A galinha preta

Por José Afonso da Silva

Neste final de ano fui acampar em Cambury das Pedras, assim como faço há mais de 15 anos.
No dia 22 de dezembro, debaixo de forte chuva, entrei no camping da Dona Maria e subi mata adentro para montar minha barraca.
Enquanto subia a trilha, vi várias galinhas circulando pelo terreno, algumas inclusive próximo de onde eu iria armar a barraca. Todas ciscando o chão a procura de algo pra comer.
Armei minha barraca, arrumei as coisas e fui para a praia dar o meu primeiro mergulho e tomar minha primeira pinga-com-mel de boas vindas.
Quando volto para a barraca, isso por volta das 11 horas da noite, percebo que uma galinha ainda permanecia arrodeando o local. Não me importei e desmaiei na barraca.
No outro dia pela manhã, abro a tela da barraca e me deparo com uma galinha me observando. Uma galinha preta, porte médio - algo meio entre uma franga e uma galinha adulta - com a parte posterior das asas bem feridas e com um machucado nas costas, que a princípio me pareceu ser sarna. Mas depois pensei "sarna em galinha? acho que não!"
Os dias se passavam, fizesse chuva, fizesse sol, e a galinha continuava ciscando em torno da minha barraca. 
Para o azar da mesma eu havia perdido uma das minhas bolsas com panelas, talheres e comida. Logo, nada por ali a ser furtado que interessasse a galinha. O que me fazia pensar porque ela não ia para junto das outras galinhas e comer a ração que era distribuída pela Dona Maria? Mas ela ficava por ali e com certeza não era devido a minha ilustre companhia.
Após o Natal, chegaram meus primeiros vizinhos de acampamento, cerca de sete pessoas, e junto com eles, a comida.
Panelas com arroz, feijão, vasilhas com salada, vários sacos com alimentos não perecíveis, enfim, o paraíso para uma galinha que esperava avidamente por fartura. Muito ao contrário do vizinho pobre que só tinha bitucas de cigarro a oferecer.
Ao ver a galinha, um dos vizinhos apontou risonho "uma galinha preta de macumba!", todos riram, e um outro emendou: "deixa ela vacilar que vai pra panela".
No dia 30 chegaram alguns amigos meus, C, V e E. Eles iam acampar em outro camping, mas como já estavam todos lotados e sabiam que eu estaria por ali, resolveram me fazer companhia.
Como bons amigos, trouxeram comida, muita comida. 
A galinha não saia de perto dos alimentos. Assim que a gente se afastava do acampamento, lá ia a galinha e começava a bicar tudo que se encontrava disponível. As outras galinhas também se aproximavam, mas assim que a gente as tangia corriam e não voltavam. Já a galinha preta não se afastava de jeito nenhum e dormia por ali mesmo.
Em um dos dias montei um pratão daqueles de pedreiro, arroz, feijão, salada - a fome era grande - e quando me virei pra pegar o suco .... lá estava a galinha, praticamente dentro do meu prato.
Minha irritação foi tamanha que peguei um arbusto que estava jogado e sai com sangue no zóio tentando dar uma lição definitiva na galinha impostora.
Corri por cerca de 15 minutos pelo meio da mata tentando pega-la, sem sucesso é óbvio, mas satisfeito pelo fato dela ter ficado bem distante do acampamento e dos alimentos.
Fomos à praia e quando voltamos, quem estava lá? A galinha.
No outro dia pela manhã, enquanto aguardava uma pessoa tomar banho na ducha, vi um galo branco enorme, e quando falo grande, é porque era grande mesmo.
O galo que provavelmente era o garanhão do galinheiro, além de seu tamanho, chamava a atenção por puxar uma das patas, que em algum momento de sua vida sofreu uma fratura.
De repente esse galo entra no galinheiro, repleto de galinhas, cerca de 20 pelo menos e o desespero tomou conta das galinhas.
Com uma violência que eu nunca tinha visto antes, o galo pegava as galinhas e com toda a força as bicava nas costas, arrancando penas e o coro. Algumas saiam pingando sangue.
Por uma fresta na tela que cercava o galinheiro, as galinhas se espremiam para fugir da violência do galo. A violência do galo não era para copular com as galinhas, era pura violência, pura maldade mesmo, tipo dizendo: "quem manda nessa porra sou eu!"
Ai pensei na galinha preta que vivia rodeando minha barraca. Mas dessa vez com um sentimento de pena, de dó. Provavelmente ela se recusará a descer e viver enclausurada no galinheiro sofrendo a violência das bicadas do galo.
Por isso vivia isolada das outras galinhas, sem a comida fácil que lhe era jogada pela Dona Maria no galinheiro, sendo obrigada procurar e viver do alimento encontrado na mata: formigas, minhocas, grilos, vaga-lumes, cigarras e coisas furtadas dos campistas.
Mas depois pensei que eu não deveria ter dó e nem pena da galinha, afinal, ela teve a coragem de fugir do galinheiro e se recusar a viver no sofrimento. Preferiu a reclusão à submissão. Preferiu a violência do vento e da chuva ao sofrimento de viver sendo espancada diariamente em um galinheiro.
Na minha brisa, comecei a pensar na galinha como uma heroína, um exemplo de postura para todas as outras galinhas do galinheiro, e porque não do mundo?
Pensei que quando as outras galinhas subiam a mata para ciscar, se não sentiam inveja da independência da galinha preta que se recusou a apanhar gratuitamente todos os dias?
Pensei até se se a galinha preta não fazia discursos para convencer as outras, tipo, galinhas do terreno da Dona Maria, uni-vos!
Todos esses pensamentos enquanto eu esperava pra tomar banho. Mas depois disso passei olhar a galinha preta com outros olhos e passei a respeitá-la.
Parei de pertuba-la por querer furtar nossa comida.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O processo de antirreforma agrária do PT, Dilma Rousseff e Kátia Abreu

“Tô cagando pra vocês” – Diz Kátia Abreu sobre o protesto dos movimentos sociais a sua indicação ao ministério da agricultura.



Ok, ok, não foram essas exatamente as palavras da nova Ministra da Agricultura do governo Dilma (PT). Em entrevista para o Jornal do Tocantins e Radio CBN quando questionada sobre as manifestações dos movimentos sociais a sua indicação para o ministério da agricultura a ‘nobre’ senadora Katia Abreu (PMDB) declarou que como ministra da agricultura o seu papel ‘é atender a quem tem terra, quem produz, é a estes que ela deve satisfação’. Já quem esta lutando por terra deve tratar com o ministério do desenvolvimento agrário. Por tanto para bom entendedor... O recado dela foi claro.

A missão de inserir a pequena agricultura na cadeia do agronegócio

Segundo Kátia Abreu a sua principal missão a frente do ministério da agricultura será de inserir a pequena agricultura (agricultores familiares e camponeses) na produção voltada para logica de mercado do agronegócio. Superando assim, a produção voltada para subsistência. Nesse sentido a nova ministra da agricultura ressaltou a importância da lei nacional de assistência técnica e extensão rural aprovada pelo governo que dará a possibilidade do sistema S entrar com força no campo brasileiro.

É por tanto a consolidação do processo de antirreforma agraria sob o governo Dilma (PT) denunciado com veemência pelos saudosos Dom Tomas Balduíno e Plínio de Arruda Sampaio. Que consiste em capitular a agricultura familiar e camponesa para logica de produção do agronegócio. O que vai totalmente contra a logica de produção defendida pelos movimentos populares do campo que defendem uma produção voltada para agroecologia, soberania alimentar e preservação ambiental.

Para Kátia Abreu não é necessário criar novos assentamentos, mas fazer os que já existem tornarem-se produtivos para que sejam inseridos no mercado, com a logica deste. No Tocantins este projeto tem se consolidado nos últimos anos com Kátia Abreu entrando em nome do governo federal em áreas de assentamento com o programa ‘Minha casa, minha vida rural’ e com o Pronatec Rural implementado pelo Sebrae.

Para consolidar o projeto de antirreforma agrária no Brasil, Dilma Rousseff não poderia escolher um nome melhor. Kátia Abreu comanda há vários anos a principal organização ruralista do Brasil, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), foi uma das principais articuladoras pela aprovação da reforma do código florestal que beneficia os grandes produtores, articulou uma CPMI no congresso nacional com o objetivo de criminalizar os movimentos de camponeses sem terra e ferrenha defensora do uso de transgênicos e agrotóxico na produção de alimentos.

Para senadora pobre deve comer sim alimentos produzidos com agrotóxico, pois sua produção é mais barata – é fato que isso pode gerar doenças graves, mas para nova ministra da agricultura o que importa é o lucro.

Financiada pela construtora OAS com um montante de 925.000.00 (empresa responsável pelo clube de empreiteiras que surrupiaram os cofres da Petrobrás nos últimos anos como aponta investigações da policia federal) na disputa por uma vaga ao senado. É também acusada de grilagem de terras de camponeses pobres no Tocantins, como aponta artigo escrito por Dom Tomas Balduíno em 2012. E processada no supremo tribunal federal por usar talões da CNA pedindo contribuição para agricultores para financiar campanhas eleitorais com o brasão da república.

Suplente de Kátia Abreu é ex-presidente do PT do Tocantins

Vários setores ligados ao PT protestaram com a indicação de Kátia Abreu (PMDB) para assumir o ministério da agricultura. No entanto tais manifestações não passam de farsa, é apenas jogo de cena para agradar os movimentos sociais que ainda tem ilusão no governo petista.

Pois tal intenção já estava explicita quando Kátia Abreu deixou o PSD para ir para o PMDB (partido que historicamente comanda o ministério da agricultura), segundo ela atendendo aos pedidos do vice-presidente da republica Michel Temer e a um projeto nacional. Como também a aproximação de Katia Abreu com o governo Dilma, inclusive sendo a porta voz dessa em áreas de assentamento no Tocantins e outros estados.

Mas, sobretudo pelo fato do primeiro suplente de senador de Kátia Abreu ser do PT, Donizete Nogueira é ex-presidente do partido no Tocantins. Por tanto esta muito claro que a direção do PT sabia muito bem da intenção da presidente Dilma de fazer de Kátia Abreu sua ministra da agricultura. Si omitiram isso, ou fizeram cara de surpresa foi pura e simplesmente por jogo de cena.

Fazer do Tocantins o principal ponto de logística do agronegócio brasileiro

A declaração também é da senadora e agora ministra da agricultura Katia Abreu. O Tocantins esta localizado em um território extremamente estratégico para o agronegócio brasileiro. É hoje o principal corredor de escoação da produção do campo brasileiro na região norte, nordeste e centro-oeste. O objetivo dos ruralistas é baratear este transporte com a conclusão da ferrovia norte sul, a duplicação da BR-153 e a construção da hidrovia Tocantins-Araguaia.

Por tanto o nome de Kátia Abreu para o ministério da agricultura, uma senadora de um estado que não tem grande força politica e econômica no cenário nacional não é mero acaso. Mas atende aos interesses de uma elite agrária que consolida e avança sua força no meio rural brasileiro. E que para tanto o Tocantins é extremamente estratégico.

A luta por reforma agrária continua. Na lei ou na marra!

Para nós militantes das causas sociais, que nos entrincheiramos no Tocantins na luta por uma reforma agrária de fato neste país. Não vemos motivos para festa. Não há o que comemorar pelo fato de Kátia Abreu ser a primeira tocantinense a ocupar um ministério ou por ser a primeira mulher ministra da agricultura do Brasil.

Não, não temos motivos para sentir orgulho de uma figura que não serve aos interesses do povo tocantinense, mas sim a uma pequena elite agraria. Kátia Abreu no ministério da agricultura deve ser encarado pelos movimentos campesinos que não se venderam e nem se corromperam como uma declaração de guerra do atual governo a reforma agrária.

Por tanto povos do campo, das águas e das florestas uni-vos!

“A reforma agrária radical é a única que pode dar a terra ao camponês”.
Ernesto Che Guevara


*Pedro Ferreira Nunes é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio.


Nota sobre a violência policial na ocupação Carlos Mariguella e prisão arbitrária de coordenadora

Nota do MTST sobre as ações da polícia na Ocupação Carlos Mariguella

No dia 5 de janeiro, por volta das 21 horas, tivemos a infelicidade de mais uma vez receber a visita da polícia militar de Carapicuíba na ocupação Carlos Mariguella. Desta vez eles vieram prontos com provocações, tiros para alto, incendiando motos para provocar e incitar fatos que justificassem a criminalização dos acampados. E mais, levaram presa de forma arbitrária uma coordenadora por desacato. Logo após esta coordenadora ser ofendida pelos policiais com gestos obscenos e xingamentos.
A coordenadora detida, que estava gestante, narra que foi torturada psicologicamente a caminho da delegacia com ameaças de que a matariam e jogariam seu corpo no rio. Além de prática de injúria racial por ser uma mulher negra. Com falas racistas/machistas chamaram-na de vadia por várias vezes.
A atacaram enquanto um sujeito político, dizendo que o “local de uma mãe é cuidar dos filhos em casa e não estar na rua lutando”. Além disso, no 1° DP de Carapicuíba foi colocada para dividir cela com outros homens. Isso é um absurdo!! Por fim, na mesma noite a militante foi liberada.
Consideramos esses fatos absurdos, mesmo sabendo que cotidianamente na periferia a polícia militar age impunemente  com violência gratuita, abuso de autoridade, prisões ilegais e forjadas, torturas, criminalização da pobreza e racismo. A polícia militar em Carapicuíba tem se mostrado a antítese daquilo que um estado democrático, sendo um obstáculo e um atraso para a efetivação dos direitos constitucionais. Como o direito à luta pela moradia. 
Apenas para lembrar, no último 20 de dezembro, participamos de uma audiência pública na ALESP, organizada pela Comissão de Direitos Humanos onde denunciamos publicamente a criminalização da ocupação Carlos Marighella e todos os casos de violações de direitos e abuso de poder que ocorrem a todo instante por parte da polícia militar, do Ministério Público de Carapicuíba e de seguranças privados das mansões vizinhas.
Portanto, sabemos que esses acontecimentos nada mais são que uma resposta das elites aos que ousam lutar. Mas nós, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, nada mais fazemos que é lutar pelo direito constitucional, da qual a propriedade deve cumprir sua função social.
Lutamos por uma vida digna. E por isso denunciamos a prática da polícia militar nas periferias, que na maioria das vezes ocorrem ilegalmente com abusos, mortes e gerando medo em toda população.
MARIGHELLA, PRESENTE 
HOJE E SEMPRE!
MTST, A Luta é pra valer!